terça-feira, 18 de novembro de 2014

Resumo da Aula 23: "Sahlins, leitura 2" (04/11)

- O Capítulo 4 de Ilhas de História inicia-se relembrando os detalhes da chegada do Capitão Cook ao Hawai'i. "Fôra a recepção mais calorosa e entusiasmada conferida a qualquer viagem de descobrimento neste oceano". Oferendas, cânticos e uma quantidade absurdamente alta de havaianos empolgados e curiosos deram a tônica da ocasião. Um sacerdote leva Cook pela mão até o templo de Hikiau, No caminho, indivíduos prostrando-se ao chão ao ouvirem os gritos de "Ó, Lono!" entoados pelo arauto. Como bem sabemos, Lono era o deus associado à reprodução humana e ao incremento natural, que retorna anualmente à ilha. É também ele o rei antigo, em busca de sua noiva sagrada. A pequena descrição aqui recordada exemplifica o que seria uma metáfora histórica de uma realidade mítica. De um lado o aspecto histórico, o "fato", qual seja a chegada de Cook à ilha. De outro a realidade daquela cultura local, a interpretação desse fato: a volta de Lono. De um lado, o mito havaiano. Do outro, o folclore britânico. Sim, não se assustem com a expressão! Afinal, o Capitão Cook não acreditava que todas aquelas oferendas vinham do "rei", e que a ele deveriam ser retribuídas? Eis aí as marcas de sua própria ordem cultural: a busca por um rei, aos moldes dos exemplos europeus, aqui especialmente o britânico. O que James Cook não imaginava é que naquela cultura Lono era rival mitológico do chefe, do "rei". Quem organizava os festejos e se encarregava das oferendas? Os sacerdotes do templo de Lono, seus verdadeiros "aliados".

- Tal embate se tornará inevitável um pouco mais tarde. Quando Cook percebe que uma das pequenas embarcações adjacentes havia sido roubada, decide retaliar. Sequestra então um dos chefes, o rei Kalaniopu'u, para realizar a justa troca. O ato fôra interpretado pelos havaianos de acordo com seu sistema cultural: tratava-se de episódio marcante da rivalidade cósmica entre Lono e os chefes. Lono iria matá-lo, para assim inverter a ordem cosmológica. O resultado? Cook passa de objeto de adoração a objeto de hostilidade. Será eventualmente assassinado. De beneficiário de sacrifícios a vítima sacrificial. Houve no exemplo citado uma crise estrutural, isto é, quanto todas as relações sociais começam a mudar seus signos.

- O evento deve ser percebido então tanto como ação individual quanto representação coletiva. De um lado a contingência histórica, e as particularidades da ação individual. Do outro, as dimensões recorrentes do evento, onde reconhecemos uma certa ordem cultural. Só compreendemos o que de fato ocorreu, entendendo o significado das ações. Este significado é dado pela ordem cultural. Qualquer acontecimento somente se torna histórico quando é significativo. Uma vez que o significado é dado pela ordem cultural, só existe História com a participação da Antropologia. O que queremos dizer em relação às particularidades? Utilizemos o exemplo histórico. Aspectos individuais da personalidade de Cook só importam nesse caso se influenciam a sua representação enquanto indivíduo lógico. Ou seja, dependem de como ele estava inserido naquela determinada ordem cultural. Se ele tinha parasitas no intestino e por isso estava mal-humorado pouco importa. Importa se seu mau-humor levou-o ao ato de sequestro do chefe, o que teve impacto profundo em sua representação na ordem cultural havaiana. Mas é válido pensar que todos os havaianos acreditassem que Cook era mesmo Lono, o deus retornante? Impossível dizer, mas é fato que todos comportaram-se como se ele o fosse.


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 4: Capitão James Cook; ou o Deus Agonizante". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 140-171


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Resumo da Aula 22: "Sahlins, leitura 1 - continuação" (30/10)

- Demos prosseguimento ao nosso estudo de Ilhas de História, buscando mergulhar com mais profundidade no texto. Como em todo texto teórico, faz-se importante investigar os conceitos utilizados e as questões suscitadas. E nesse primeiro capítulo de sua obra evidencia-se um objetivo um tanto quanto implícito. Sahlins busca, de fato, colocar em xeque todas as Ciências Sociais, ou melhor, seus modelos de explicação do desenvolvimento da sociedade (entenderemos melhor no decorrer do resumo, estudando as "estruturas performativas"). Trata-se, enfim, de um capítulo bastante "transgressor". O autor se utiliza da teoria marxista, por exemplo, deslocando-a e adaptando diversos de seus conceitos. É dessa forma que o antropólogo expõe o "amor" como infra-estrutura da sociedade havaiana, uma das formas de dominação social. O "amor" do povo para com seu chefe seria a consciência de sua própria servidão, e a justificação para sua lealdade em relação ao mesmo. Outro exemplo breve de suas transgressões no capítulo percebe-se na descrição debochada que o autor faz da noção de propriedade privada. A ideia de propriedade só existe pois nela acreditamos. Torna-se "sagrado" o seu direito, para citar o autor, uma vez que já internalizado em nosso habitus (conceito utilizado por Pierre Bourdieu, principalmente).

- Ainda dentro do tema das transgressões teóricas de Marshall Sahlins, realizamos um exercício de identificação de diversos outros conceitos em sua obra. Há, por exemplo, a presença da dádiva de Marcel Mauss, estudado em nossa primeira Unidade. Sim, pois quando os maridos havaianos depositavam os cordões umbilicais dos recém-nascidos nos conveses dos navios, havia ali a retribuição à dádiva da semente divina. Semente essa "plantada" nos ventres de suas esposas. A própria palavra le'a, que significaria algo próximo à "paixão", pressupõe uma satisfação mútua, uma troca, vejam só. E Sahlins não para em Mauss. O estruturalismo de Lévi-Strauss também se encontra presente de forma constante, como observado no uso da palavra "estrutura" ao referir-se às culturas. Pois retomando o termo le'a, perceberemos que outro significado possível seria "louvar a deus". Era exatamente isso que as havaianas faziam através do sexo com os marujos de Cook. Sua paixão estava intrinsecamente conectada à louvação divina. Eis aí mais uma vez o valor religioso e social do sexo. Aliás, tais inferências não seriam em si um belo exemplo da descrição densa trazida por Clifford Geertz? Sem mencionar que aqui se torna mais clara a ideia do "amor" enquanto infra-estrutura, que mencionamos no primeiro tópico. Marshall Sahlins demonstra aqui a perspectiva de análise de aspectos culturais fora da chamada "superestrutura". Uma vez que têm valor político, social, não poderiam ser vistos como dependentes de outros fatores, como o econômico.

- Marshall Sahlins propõe então que possamos pensar uma sociedade sem modelos fixos. Ao invés de estruturas fixas, uma estrutura performativa, que forma relações a partir de práticas. Sim, percebemos nesse estudo da sociedade havaiana um perfeito exemplar de tal máxima. Utilizemos como ilustração a maneira pela qual são vistos os chamados filhos "biológicos" e "adotivos". No Havaí, nutrir e adotar possuem o mesmo significado. É pai aquele que alimenta, que dá substância. Aqui neste caso as origens são de cunho religioso mesmo. Uma vez que me alimento de sua substância, me torno parte de você. Não há diferenciação em relação a quem nasceu do ventre de quem. Pai é quem nutre, alimenta, e ponto final. A relação de parentesco é aqui então determinada por uma determinada ação, e não o contrário. Nós também somos exemplos vivos dessas estruturas. Embora o título de professor garanta a prática da profissão, serão as ações do mesmo em sala de aula que determinarão a forma como o alunado o enxergará. Na prática, em nossa sociedade também, são as ações que determinam as relações. Curioso refletir sobre a amizade. Fazemos tudo por nossos amigos pois sedimentamos a relação através de seu reconhecimento mútuo? Ou nos reconhecemos como tais graças à ações anteriores e presentes que comprovem o sentimento da amizade? O que viria primeiro, na prática, a relação sedimentada guiando as ações posteriores de acordo com ela? Ou não seriam as ações em questão as responsáveis pela sedimentação da relação em questão? Parece-nos que as segundas opções apresentadas refletem melhor a realidade.

- Em conclusão, amarramos os conceitos de estruturas performativas e amor enquanto infra-estrutura em uma relação bastante óbvia. A estrutura da sociedade havaiana era altamente performativa pois a sociedade em questão era baseada no amor. O sexo detinha importância cosmológica. O universo era, enfim, uma genealogia. Foi a reprodução sexual dos deuses que originou o mundo. Não havia modelo fixo de família nesse Havaí. Tais modelos eram extremamente mutáveis. Tão mutáveis quanto essa estrutura, que muda exatamente porque admite a possibilidade de que suas categorias culturais sejam funcionalmente reavaliadas. Mas isso já é assunto pro próximo resumo...


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 1: Suplemento à viagem de Cook: ou 'le calcul sauvage'". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 23-59


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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Resumo da Aula 21: "Sahlins, Leitura 1" (23/10)

- Para dar início à nova Unidade estudamos um pouco sobre nosso autor, Marshall Sahlins. Personificação da figura do velho "hippie" - ou do "hippie" velho, porque não?... -, o americano começou suas pesquisas sob uma perspectiva materialista. Após estudar bastante o trabalho de Claude Lévi-Strauss e repensar o conceito de "estruturalismo" do francês, o antropólogo passa a dar mais atenção ao simbólico. Propõe uma "ponte" entre o cultural e o econômico, ao argumentar por exemplo que os próprios sistemas econômicos eram culturalmente construídos e ordenados (Leia mais). Marshall Sahlins foi, enfim, talvez o autor que mais pensou a relação entre a História e Antropologia. Há de fato a tal separação entre a diacronia e sincronia como características intrínsecas de cada uma? É válido estudar a "estrutura" e o "evento" separadamente?

- No Capítulo 1 de seu Ilhas de História, Sahlins tira um verdadeiro sarro. Pega o tema do "amor livre" (Olha o "hippie" aí!) para trabalhar o duplo bloqueio: da Antropologia em pensar a mudança; e da História em pensar a cultura. Explicamos melhor: quando nos referimos ao amor livre, estamos fazendo referência à abordagem do autor em seu estudo da sociedade havaiana. Ele irá demonstrar, de forma bastante bem humorada, a importância do sexo na cultura em questão. Curioso perceber a reação "puritana" dos ingleses, devidamente debochada pelo autor. Há uma relação clara entre poder e sexo nas ilhas do Hawai'i. Para os nativos, o sexo era tudo, e Sahlins é brilhante ao argumentar através do estudo etimológico. Quando as mulheres corriam em direção às embarcações britânicas e pulavam em seus conveses, tudo o que elas faziam era buscar poder para si mesmas e seus grupos familiares. O sexo era apenas o meio de obtê-lo. Forçoso reconhecer a eficácia de tal tática. Como James Cook, o desbravador inglês, fôra tomado como o deus Lono (Estudaremos melhor nas aulas seguintes), carregar em seu ventre a semente de um de seus "emissários" era a garantia da ascensão social. Pois carregariam em si a semente divina, parte do deus.

- A chegada do capitão Cook à ilha é a demonstração clara do "embate" de duas culturas (ou estruturas, sistemas...): a havaiana e a inglesa. A chegada dele é justamente o evento que marca o encontro dessas duas estruturas. Percebam a intenção do autor. A Antropologia dedica-se ao estudo das estruturas/culturas. A História, por sua vez, dos eventos e suas consequências. Eis a união. Nós analisamos os acontecimentos/eventos de acordo com nossas categorias estruturais/culturais. A palavra "hipopótamo" é um belo exemplo. Significa "cavalo do rio" em grego. O animal não se parece nem um pouco comum cavalo, mas essa foi a analogia feita pelos primeiros observadores. Utilizaram-se de suas categorias culturais para descrevê-lo: conheciam o cavalo, e jamais tinha visto aquele animal estranho que vivia nos rios. Mas e quando o evento ultrapassa as categorias culturais, não se encaixa nelas de forma alguma? A perspectiva do sexo analisada brevemente no tópico anterior volta à baila. Para elas um encontro com o deus. Deus esse que deu à vida copulando com mulheres. A busca era da semente divina, e obviamente dos resultados sociais advindos do fato de carregá-la em seu ventre. Para os ingleses, exemplo de falta de pudor e prostituição. Sim, pois os marujos recompensavam as belas moças com presentes diversos após a relação sexual. Elas não pediam, mas também não recusavam. Afinal de contas, recusa-se um presente divino?...

- Eis aí o desastre cultural. Nenhum dos lados compreendia exatamente o que acontecia, pois baseados em suas interpretações próprias, parciais. Tal contato levou então à mudanças nas estruturas. A hierarquia social havaiana, que possuía origem cósmica, foi abalada. Havia uma separação entre deuses e homens, tal qual entre nobres e "povo", homem e mulher. Pois as mulheres aventureiras nas embarcações não só copulavam com os deuses estrangeiros, como também comiam à mesa junto deles. Um verdadeiro escândalo, a quebra de um tabu. Essa quebra de tabu também teve consequência impactante. Os "filhos de Lono" demonstraram-se impuros. A estrutura/cultura havaiana sofreu grande impacto, e teve que modificar-se. A estrutura tenta reproduzir-se, ressignificando, interpretando os eventos a partir da aplicação de suas próprias categorias culturais. Mas o elemento externo à ela, como aqui, nem sempre se comporta da forma esperada. Nem sempre se encaixa nessas tais categorias culturais, uma vez que oriundo de estrutura diferente. Percebemos, então, que as estruturas se transformam, ao tentar se repetir. Eis a ligação entre evento e estrutura demonstrada. Ligação entre História e Antropologia, enfim.

- O curso da História foi orquestrado pela lógica da cultura. E a lógica cultural é modificada ao sabor da História. Marshall Sahlins demonstra dessa forma as estruturas como "performativas". Trata-se de um modelo dialético. Opõe-se aos modelos "mecânicos" da Antropologia. Esses tais atentam apenas à estrutura, como sendo algo fixo. Estabelecem a cultura/estrutura como causa, sem assumir a ação do ser talvez a modificando, ao invés de somente suas tendências seguir. A lógica cultural foi construída historicamente, e assim também reconstrói-se. Tanto quanto os eventos históricos são influenciados pelas características culturais. Como dissemos, o estudo é dialético. Seguiremos com o mesmo ao decorrer da terceira e última Unidade, que apenas inicia-se por aqui.


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 1: Suplemento à viagem de Cook: ou 'le calcul sauvage'". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 23-59


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terça-feira, 7 de outubro de 2014

Resumo da Aula 14: "Geertz, leitura 1" (18/09)

- Os estudos da Unidade II foram iniciados com uma breve explanação da biografia de nosso autor estudado, Clifford Geertz. Nascido em San Francisco, na Califórnia, o antropólogo fôra abandonado pelos pais divorciados ainda criança. Sendo criado por parentes distantes desde os três anos de idade, ele virou-se como pôde. Serviu pela Marinha voluntariamente na Segunda Guerra. Graças aos incentivos da GI Bill, lei que previa diversos benefícios aos ex-combatentes, Geertz investiu em seus estudos. Inicialmente cursou Literatura Inglesa, intentando tornar-se escritor, mas formou-se em Filosofia. É notável, no entanto, as influências de sua paixão pela Literatura em sua teoria acerca da cultura. Abordaremos melhor tal questão ao longo de nossos estudos. Retomando a explanação biográfica, ressaltamos seu doutoramento em Antropologia, em Harvard. A universidade foi tudo pra ele. Em Harvard, por exemplo, foi onde conheceu sua futura esposa. E toda a sua carreira acadêmica foi nada mais do que brilhante. Geertz foi o primeiro antropólogo a entrar no Instituto de Estudos Avançados de Princeton. E foi em Princeton que lecionou ao lado de Robert Darnton, autor que será bastante discutido ao longo dessa segunda unidade.

- Clifford Geertz caracteriza-se por possuir uma escrita incrivelmente bem "amarrada". Demonstra as influências literárias em seu texto, impregnado de exemplos e imagens. Normalmente, no entanto, o autor só diz a que veio, só revela sua teoria, no final. Outra característica marcante de Geertz: o autor não trabalha com sistemas. Segundo o autor, quanto mais rica a análise, mais profunda, menos "definida" ela será. Obviamente ele trabalha com conceitos. Para o nosso estudo, faz-se mister entender um deles em especial: "descrição densa". Descrição densa é interpretação. O exemplo da piscadela se faz bastante útil. Uma descrição mínima e superficial do ato de piscar resume-se em apontar o movimento. A descrição densa reside em tentar desvendar as intenções. Foi apenas um piscar, ou o ato significou mais? Talvez uma demonstração de intimidade, o reconhecimento de alguma brincadeira entre dois amigos, uma imitação ou deboche de alguém que tenha um tique nervoso... As possibilidades de interpretação são enormes. A descrição densa é essa interpretação mais profunda, que vai além da simplicidade de um gesto para buscar sua significação. Entenderemos um pouco melhor o tema ao estudar suas análises da briga de galos em Bali. É uma simples diversão "primitiva", ou teria significado de impacto naquela sociedade, na maneira que ela se vê? Aguardemos os próximos resumos...

- O conceito fundamental na obra que estudaremos (ver Referências Bibliográficas) é o de "cultura". A interpretação é o método de análise, como já explicitamos. A cultura é vista por Geertz como uma "grande ideia", trabalhada por muitos campos de saber. O autor parte de Weber para demonstrar que o homem só vive em sociedade graças a um conjunto, ou teia de significados criados por ele próprio. O trabalho do antropólogo é etnografar, ou seja, buscar a interpretação desses significados. O objetivo? Compreender a linguagem do "discurso social". Jamais será alcançado o êxito total, segundo o autor, porém a apresentação dos dados possibilitará um entendimento maior dessas outras "significações". Não é possível tornar-se o nativo, mas é possível familiarizar sua teia de significações ao máximo. Aliás, essa visão de cultura de Geertz é a razão de suas discordâncias vitais em relação ao estruturalismo de Claude Lévi-Strauss. Um pouco acima comentamos que Geertz não trabalha com o conceito de "sistema", ao falar de cultura. Pois aqui reside sua crítica. Cultura é algo muito rico, como bem demonstrado em sua ideia de "teias de significado", para ser fechado ou reduzido à sistemas de analogias.



Referências Bibliográficas
GEERTZ, Clifford. "Capítulo 1: Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura". In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Editora Guanabara. pp.13-41



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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Aula 13: Entrega dos trabalhos da Unidade I (16/09)

- Não faremos resumo da Aula 13, pois a mesma foi destinada à entrega dos trabalhos de nossa Unidade I. Como já mencionado, o objetivo do trabalho era aplicar em situações cotidianas quaisquer (à escolha do aluno) os principais conceitos contidos em O Ensaio sobre a Dádiva. Ou pelo menos observar a validade de tais conceitos. Mesmo a crítica, a refutação, implicaria em um conhecimento prévio das principais ideias da obra. Os alunos então, um a um, apresentaram uma prévia do que fizeram à turma, destacando os principais conceitos abordados, a situação ou evento escolhido, enfim, um resumo de seus esforços. De acordo com o professor, essa aula foi, por si só, uma dádiva. Ofertada à Mauss, a ele próprio, aos colegas de turma.

- Retomaremos as atividades com um resumo sobre a aula 14, iniciando nossos estudos sobre Geertz. Até lá!


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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Resumo da Aula 12: "Ensaio sobre a dádiva - sessão final" (11/09)

- Encerrando os estudos do Ensaio sobre a Dádiva, mergulhamos finalmente na Conclusão da obra. A primeira observação pertinente é que Marcel Mauss não estabelece apenas uma, mas várias conclusões. A primeira é a "moral". Há aqui mais uma vez a lembrança do autor da proposta de estudo de seu próprio mundo. Estuda a si mesmo a partir da recuperação de uma lógica, na opinião do autor, ainda presente nas sociedades contemporâneas. Importante relembrar a participação social ativa do francês em busca da transformação da realidade. Chegou a lutar na Grande Guerra quando tinha 40 anos, idade avançada para a batalha. Demonstra ainda, uma vez mais, o equilíbrio de sua teoria. Teoria elaborada a partir de pesquisas extensas, consultas a etnografias e, claro, observação da sociedade ao seu redor. Preocupa-se em evidenciar sempre que seu trabalho é um mero esboço, "ensaio", que não pretende encerrar conclusões pétreas acerca da realidade. Porém, ao mesmo tempo, expondo conclusões bem fundamentadas em uma teoria demasiadamente convincente.

- Conceito aqui já abordado e relembrado por Mauss em suas conclusões é o de "atmosfera de dádiva". Como já discutimos, para que a dádiva ocorra deve haver uma espécie de "clima" propício para tal. Clima esse que é ao mesmo tempo impulsionado por ela. Pois de acordo com o autor, a atmosfera de dádiva ainda se encontra presente nas sociedades contemporâneas. É por isso que se faz necessário resgatar a lógica. É por isso que a ideia lhe parece possível, não distante ou sonhadora. Para exemplificar, Mauss argumenta que a previdência social seria uma espécie de "socialismo do estado". Seria uma espécie de auxílio e proteção dados pelo Estado aos seus cidadãos já "incapacitados" para o trabalho. Obviamente que o francês não ignora que essa dádiva foi reivindicada pelos movimentos sociais. Que se trata de uma conquista, e não de um presente generoso e altruísta. Porém ele enxerga, além das especificidades características, a permanência da lógica da dádiva. A previdência social seria uma retribuição dos serviços oferecidos, não um simples pagamento seguindo somente a lógica do capital. Não seria idealizar a previdência, no entanto? Não precisamos ainda contribuir, para não sofrer até sanções legais? Sim, mas essas questões práticas demandam resposta análoga. De onde viria o dinheiro do auxílio se não houvesse a contribuição? A questão proposta por Marcel Mauss é a de destaque da lógica, em um sentido geral. Não se trata de enxergar a previdência como uma ação de caridade generosa em suas especificidades. A administração e a legislação da mesma são outra coisa. O importante para Mauss é compreender a lógica de dádiva residente em sua concepção, em sua ideia "original".

- Falando de caridade, levantamos assunto importante. É fácil perceber o quanto a dádiva não retribuída ainda inferioriza aquele que a aceitou. Se o ato de caridade, por exemplo, não envolver uma espécie de sistema de retribuição, o donatário irá sentir-se inferior, "submetido" moralmente. E não é só nesse exemplo que o autor aponta a permanência da lógica. Ela se faz presente também na resistência que ainda se tem ao trabalho do comerciante. Para sobreviver na lógica capitalista, ele necessita obter lucro. Isso implica vender suas mercadorias sempre em um preço mais alto em relação ao que pagou. Se estivéssemos completamente imersos na lógica capitalista, esse pensamento seria perfeitamente normal, aceitável. No entanto, Mauss observa que ainda há um certo estranhamento à tal prática, de tal forma que se o consumidor descobrir o preço "original" do produto, enfurece-se com o mercador. Sente-se enganado.

- Assim, Marcel Mauss propõe que regressemos aos costumes da "despesa nobre". Sempre que havia alguma festa ou evento público em Atenas, os mais ricos eram obrigados a arcar com os custos. Caso algum deles recusasse, e alguém denunciasse, todas as posses do rico em questão iriam para o denunciante. A "moral" do ato era simples. Como você enriqueceu? Não foi utilizando os recursos da sociedade em que vive? Pois então, nada mais justo do que retribuir essa dádiva. Não se enganem, trata-se aqui de muito mais do que um "ódio de classe". Trata-se de receber algo e ter a grandeza de retribuí-lo. Mauss denuncia assim, ainda uma vez mais, a lógica capitalista. Da mesma forma que denuncia os ideais comunistas. De acordo com ele, generosidade excessiva do Estado sem o trabalho do indivíduo também não serviria. Haveria a tal da inferiorização do cidadão, que seria assim submetido, subjugado com facilidade. É preciso encontrar o meio-termo.

- Marcel Mauss propõe assim uma verdadeira religião da humanidade. Não se preocupa em apenas descrever a dádiva, mas sim demonstrar seus resultados, imediatos ou não. Pede que a sociedade adote o princípio moral da dádiva-troca. Sair de si. Dar, livre e obrigatoriamente. Suas noções, reforçamos, tem uso livre, como o próprio autor ressaltou. Nada de definições frias. A definição intenta matar as contradições. A diferença de Mauss? Ele assume que essas contradições possam existir. Afinal, o estudo não é sobre seres humanos?...


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974


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sábado, 20 de setembro de 2014

Resumo da Aula 11: "Ensaio sobre a dádiva - sessão V" (09/09)

- Conectando-se à fagulha, iniciamos as conversações debatendo A Dominação Masculina, livro do famoso sociólogo Pierre Bourdieu. Explica o autor que a dominação de gênero está tão ancorada em nós que temos dificuldade mesmo em percebê-la. Relações de dominação, estabelecidas no processo histórico, têm essa tendência de interiorizar-se nos indivíduos, que passam a vê-la como algo "natural". Cria-se um "habitus", para utilizar o conceito do autor francês. Conscientizar é válido e preciso, mas seria a solução final para tal problema social? Como Mauss demonstra em sua crítica, devemos nos distanciar dessa lógica que define o ser humano como objeto, mercadoria. As possibilidades de troca, de relação humana sob a lógica da dádiva, encontram-se assim diminuídas, embora ainda resistentes. A violência contra a mulher, seja ela simbólica ou física, tem como uma de suas fontes essa perda do aspecto humano nas sociedades. Os preconceitos de gênero são naturalizados pois observados desde o "berço". O futebol, por exemplo, é imediatamente visto como um esporte para homens. Se uma menina desejar jogar com os amigos na escola, será tratada de forma diferente. Seus próprios colegas resistirão à ideia de aceitá-la na brincadeira, quando não respondendo com violência durante a partida. Sem contar que às meninas não é dada a chance de praticarem o esporte desde cedo. Os meninos aprendem a andar e correr já com o "obstáculo" da bola incorporado ao seu equilíbrio. Se torna assim bem mais dificultoso para as meninas adaptarem-se ao jogo, não acostumadas aos movimentos "naturais" do mesmo. Reproduz-se assim o velho e estúpido lema de que "futebol é coisa de homem"(Sugestão de leitura 06). A mudança deve vir então através do exemplo, na experiência prática. Vai além do conscientizar, uma vez que ultrapassa o mundo das palavras.

- Dentro dessa impessoalidade desalentadora existem bolsões, claro, como bem tentamos demonstrar aqui nestes textos modestos. Mas o que importa na análise é o processo histórico em si, o sistema como um todo. É isso que deve ser questionado. Quando lemos em pesquisas o triste fato de que muitos professores adoecem graças aos estresses de sua profissão, faz-se necessário questionar esse sistema no qual estamos inseridos. É preciso ir além das experiências individuais. Não se pode tomar casos de exceção como refutação à "regra" bem observada.

- Seria Mauss um romântico? A questão deve ser bem explicitada e refletida. Mauss buscava soluções concretas para uma problemática observada nas sociedades a ele contemporâneas. A solução, obviamente, está impregnada de seus ideais políticos, quais sejam, socialistas. Mas será que propor soluções denotaria romantismo? Não seríamos então todos aqueles que não são "neutros", românticos? O francês demonstra, sim, que sem dádiva não há sentido de viver, não há funcionamento social. Deve-se haver o estabelecimento de vínculo de almas, ou então o "fim" seria triste, quando não próximo. Logo, ele sonhava sim em relação à transformação da realidade, isso é fato. Entretanto, ele demonstra um caminho possível. Concorde com ele ou não, isso é livre, porém não há como negar sua pesquisa valiosa. O autor busca exemplos para validar sua teoria, que não é fechada, por sinal. Sem contar que o próprio afirma que nas diversas sociedades coexistem número variado de lógicas diferentes. A grande questão é: qual delas predomina?


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." 
In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974.


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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Resumo da Aula 10: "Ensaio sobre a dádiva - sessão IV" (04/09)

- Prosseguimos em nosso estudo do Ensaio sobre a dádiva retomando o debate a partir de palavras-chave. Era necessário ainda discutir alguns conceitos. O que entender por "oferendas contratuais", por exemplo? Cabe aqui citar um livro de Natalie Zemon Davis, intitulado The Gift in Sixteenth-Century France (Sugestão de leitura 05). Referimos-nos à descrição que a autora realiza dos hábitos relacionados ao pedido de namoro na sociedade francesa do XVI. Comenta ela que antes de iniciar qualquer "relacionamento", o pretendente deveria estabelecer diversos contratos de dádiva com a família da moça. A família seria representada pela sua "pessoa moral" (o pai), que poderia aceitar ou recusar o presente ofertado. Recusar o gesto é sinônimo de recusa de uma aliança. Caso aceitasse, retribuiria concedendo "a mão" de sua filha. Há aqui belo exemplar de oferenda contratual. É algo que se oferta na intenção de firmar um vínculo, ou reafirmar o contrato.

- Outros termos demonstraram-se igualmente importantes para o estudo. "Circulação obrigatória" é um deles, conceito que será reapropriado mais tarde por Claude Lévi-Strauss. Há aqui intrínseca a lógica de comunicação entre grupos, em oposição à guerra. Lévi-Strauss analisa tal fato a partir do "tabu do incesto". Os grupos humanos começam a relacionar-se firmando alianças, através da troca de mulheres. O ato garantia a sobrevivência daqueles grupos, não só por evitarem a guerra como única reação ao contato, mas também por garantirem importante laço que poderia ser útil em épocas de carência de alimentos. Inicia-se assim, através da circulação obrigatória para a manutenção do laço, as relações de troca que seriam a rocha fundamental (conceito utilizado por Mauss, não Lévi-Strauss) sob a qual as sociedades erigiram-se. Aqui neste exemplo, a circulação seria de mulheres.

- Encerrando a dinâmica das palavras-chave, dois termos fizeram-se presentes: "propriedade-talismã" e "sistema de sacrifício". A propriedade-talismã refere-se ao objeto carregado de "mana", de energia superior. Trata-se de algo especial, diferenciado. Os presentes recebidos no "kula", estudado por Malinowski, eram carregados desse mana. Tratavam-se então de propriedades-talismã, exibidos com orgulho pelos chefes dos grupos. O sistema da "moda" atual é baseado neste conceito. Assim que todos passam a ter condições de adquirem aquela peça "especial", diferenciada, ela sai de "moda". Busca-se então outra propriedade-talismã para substituí-la no posto de "sonho de consumo". A comparação é, claro, superficial. Serve para propósitos didáticos mais diretos, no entanto. Quanto ao sacrifício, observamos com mais clareza ainda. Não precisamos ir tão longe, e citar aqui os pagamentos de promessa aos santos diversos. Acender uma vela em homenagem ao mesmo já denota o sacrifício. Sacrifico algo, dou, para receber em troca. Ou então estou sacrificando para retribuir o que acredito ter recebido. No exemplo da vela, sacrifico o material da mesma, a parafina, os palitos de fósforo utilizados para acendê-la...

- O sistema das dádivas é, em suma, demasiadamente extenso. Pode ser analisado sob diversas óticas, e a proposta de trabalho da Unidade deixou isso claro. As regras de generosidade que o regem podem ser encontradas em várias das sociedades "primitivas" ou "arcaicas" estudadas.. E ainda podem ser encontradas em nossa sociedade atual. A divisão, ou melhor, o compartilhamento de gestos de carinho e afeição nas relações de amizade o demonstra bem. Há dádiva quando não há interesse no "uso" da pessoa. Quando o ser humano deixa de ser visto pelo outro como peça de impulsão para que ele alcance algo. Quando o gesto de generosidade alimenta-se em si, e traz como retribuição as relações de carinho mútuo tão procuradas...


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974

Sugestão de leitura 05
DAVIS, Natalie Zemon. The Gift in Sixteenth-Century France. Winsconsin: UW Press. 2000


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Resumo da Aula 9: "Ensaio sobre a dádiva - sessão III" (02/09)

- Após um breve rearranjo de nosso calendário, retomamos a discussão em relação ao Ensaio. Como visto na última aula, há uma quantidade enorme de conteúdo a ser abordado. Embora tenhamos debatido diversos conceitos importantes, ainda se fazia necessário retornar à Introdução e ao Capítulo 1. Devemos ressaltar que Marcel Mauss realiza em sua obra uma investigação minuciosa sobre a noção de contrato em uma lógica "pré-capitalista". Quer dizer: um estudo sobre a natureza das relações firmadas, dos acordos pessoais, fora dos interesses meramente financeiros. Determina então um duplo objetivo a ser alcançado, uma "dupla meta". Primeiramente realizar um trabalho descritivo para chegar a "conclusões arqueológicas" sobre o tema estudado. Executa assim quase que um trabalho de História do Direito. Bom, pelo menos um "ensaio" referente ao tema... E com isso, encontramos o segundo objetivo, esse o mais importante. Deseja demonstrar, através de suas conclusões, a permanência da lógica da dádiva nas sociedades atuais. O autor realiza, orquestradamente, um movimento metodológico nesse sentido. Recua no tempo, ou desloca-se no espaço, para buscar nas sociedades "primitivas" seus pontos de sustentação. Qual seria a rocha sob a qual estariam erigidas tais sociedades? O que as mantinha em pleno funcionamento? Segundo o francês, a resposta reside nas relações humanas firmadas e baseadas na generosidade. Na troca, na dádiva...

- Como já estabelecemos que o objetivo de Mauss era estudar as sociedades contemporâneas, qual seria então o problema das mesmas? Onde estaria a razão de tantas guerras, desigualdades e tormentos? O problema, na ótica do autor, estava na falta de reconhecimento do ser humano. Na falta de dádiva, por assim dizer. A crise reside em achar que se vive pondo a mercadoria no centro de importância. O que importa é o ser humano, são as relações humanas. Poderíamos dizer, inclusive, que "rocha humana" seria um belo conceito-chave... Não seria Marcel Mauss um evolucionista, utilizando termos como "primitivos(as)" em seu trabalho? É óbvio que ele possui influências claras, especialmente considerando a época em que escrevia. Entretanto, há uma diferença evidente. Os autores evolucionistas reuniam dados etnográficos produzidos por qualquer um, desde que pudessem adequá-los a seus conceitos de "barbárie", "selvageria"... Mauss nunca misturou dados. Estudava uma sociedade por vez, revelando especificidades e permanências. É o método da comparação precisa. O autor estuda o sistema social. Os elementos não são assim comparados de forma solta, isolada. São interpretados como parte de um sistema maior. Um exemplo para estudar um sistema social com seriedade e um mínimo de eficiência o próprio antropólogo realiza. Busca acessar as consciências, através do estudo da língua. Intenta compreender assim as significações, as interpretações desse sistema social.

- A importância desse método de estudo do sistema demonstra-se em uma análise bastante atual. Referimo-nos ao pensamento de alguns religiosos em sua cruzada contra a homossexualidade. A prática homossexual atinge um fundamento do sistema de pensamentos atrelados à sua crença, sua religião. Pelo menos é assim que ele o pensa. E quando se atinge uma parte integrante, fundamental de um sistema, abala-o inteiro, enfraquece-o nas bases. A resposta reacionária é a violência, física ou simbólica. Busca-se defender a qualquer custo aquela estrutura já construída, para evitar seu desmoronamento completo. Após essa reflexão, concluimos o estudo do dia pensando a importância da retribuição na relação feita sob a dádiva. É a retribuição que "fecha" o sistema, o contrato estabelecido no ato de dar. É ela a responsável por diferenciar esse tipo de troca de um simples escambo. É ela quem cristaliza o estabelecimento do vínculo pessoal. Como o exemplo do traficante que em épocas especiais distribuía dinheiro e presentes aos moradores da favela em que "labutava". Havia ali a retribuição pelo uso do território, pela perturbação da paz. Utilizando a etnografia de Malinowski (Sugestão de leitura 04), Mauss aplica a teoria, algo que o polonês não tinha. A atualidade da mesma demonstra-se, a cada estudo, de forma salutar.


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974

Sugestão de leitura 04
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Editora Abril. Coleção Os Pensadores. 1978.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

Avisos a pedido do ex-professor Marcos Alvito



Kaliméra, bom dia a tod:-)s,

O velho lobo do mar pediu licença para utilizar esta multimidia para dar alguns avisos:

1. O fabuloso folhetim eletrônico As Aventuras da Dra. Eu Ka Liptus, uma PhDeusa afro-calipígia, passou a ser publicado, diariamente, em https://uff.academia.edu/MarcosAlvito ; a história de hoje, 11 de setembro, não é esse o nome da história, a historieta de hoje chama-se "A Pós-Chateação". Então, é só clicar: https://uff.academia.edu/MarcosAlvito

2. Uma outra série, esta mais antiga e bota história antiga nisso, continua onde sempre esteve, não sendo agora recopiada no Foicebuk. Quem quiser conhecer ou continuar a ler as histórias dos primos de Al Tivo, é só apontar o dedinho para: http://www.autobiografiadosmeusprimos.blogspot.com.br/

3. Por fim, é sempre bom lembrar que Al Tivo não saiu de dentro do FoiceBuk, ele está tentando tirar o FoiceBuk de dentro dele isto sim, esta terra de cortadores de cabeça sem coragem, esta arena sanguinária sem sangue e sem alma. O jagunço véio, marujo aprendiz e outras milongas mais continua vivo (oferta dos deuses por tempo limitado), apreciando o céu azul, batendo mal o seu pandeiro e disposto a conversar com seus amigxs mano a mano, oio no oio ou então pelo emílio de sempre: marcosalvito@gmail.com

Bora Bora é isso aí,

um forte abraço de um fraco, sem braço mas ainda com um tiquinho de alma,

Marcos

P.S: Foto do craque Thiago Castro de Souza, para variar, obrigado, marujo!


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Resumo da Aula 8: "Ensaio sobre a dádiva - sessão II" (28/08)

- Com a proposta de dissecar a Introdução e o Capítulo 1 de O Ensaio sobre a Dádiva, nos foi sugerida a dinâmica de escolha de palavras-chave. As palavras selecionadas poderiam ser conceitos ou não. O conceito poderia ser definido como uma formulação, ou organização, de uma ideia através de palavras. Todo conceito é, assim, uma palavra-chave. Começando com a Introdução, a aluna Ana Luisa Duarte escolheu "fenômeno social total". Ora, analisando o próprio termo, chega-se a algumas inferências. Para que um fenômeno social seja total, ele deve abarcar todos os aspectos da sociedade. Tivemos há pouco um exemplo claro de fenômeno assim: a Copa do Mundo. Trata-se de um evento que envolve todos os níveis sociais. Não é simplesmente esportivo, futebolístico. Com a Copa, levantaram-se questões de cunho político e econômico, por exemplo. Além do impacto cultural, difícil não enxergar os abalos diversos de natureza social. Não nos esqueçamos de que até regras de comportamento "universais" foram impostas nos estádios. A Copa é assim um exemplo claro desse fenômeno total. Mas o que isso tem a ver com a obra de Marcel Mauss? Para explicar, faremos a ligação com a palavra escolhida pelo Ian Barbosa, "prestações totais". São essas as trocas - sob a lógica da dádiva - que envolvem todos os níveis da sociedade. Um sistema de prestações totais indica uma relação de troca entre dois grupos aliados presente em diversos níveis sociais. Essa troca pode ser entre mulheres, formando alianças através do casamento. Da mesma forma que poderia se dar entre guerreiros (nível militar) ou até entre líderes (nível político).

- A palavra escolhida por Felipe Besada, "potlach", demonstra um outro tipo de prestações totais. São aquelas de tipo agonístico. "Agon" vem do grego, e traz em sim uma ideia de competição, desafio, disputa. Importante ressaltar que não há necessariamente uma natureza violenta nessa disputa. O objetivo é vencer, ser melhor, e não derrotar, destruir o adversário. Esse tipo de relação se dava entre dois grupos através de uma pessoa moral, um líder, que representa os seus. Esses líderes competiam entre si à base da dádiva. Realizavam trocas diversas na intenção de demonstrar poder, superioridade. As trocas se tornavam assim uma verdadeira disputa, mesmo que fossem sobre quem presenteia melhor. Esse é o potlach.

- Quanto ao Capítulo 1, válido mencionar a seleção do Pablo e da Pâmela. O primeiro ressaltou a ideia de "hau", importantíssima para o entendimento da obra. Para entender, pensemos em uma situação clara. Alguém que amo ou tenho grande afeição falece e me deixa um objeto seu como presente, ou herança. Não importa qual seja aquele objeto, ou quão comum ele seja. Para mim, terá valor inestimável, superior a qualquer outro que lhe seja parecido. Mesmo que seja uma simples caneta velha, de baixo custo comercial. Aquele presente carrega em si uma memória, um significado, uma essência enfim. Isso seria o "hau". Essa capacidade de carregar ou simbolizar alguém através de um presente. Nas sociedades "primitivas", Mauss observa o "hau" como parte da obrigação de retribuir. Tudo que é dado, sob a lógica da dádiva, carrega em si parte da pessoa que deu. Caso não retribuído o gesto, fica-se amaldiçoado, uma vez que retendo parte do espírito do doador. Curioso perceber como o autor se utiliza dessa explicação nativa para ir além. Demonstra que o importante não é simplesmente entender esse aspecto místico da justificação. Faz-se preciso ir além, e entender que a base das relações humanas aí se encontra, nessa obrigação "moral" de retribuir o ato de generosidade.

- Pois finalizamos com "vínculo de almas", escolhida pela Pâmela. Entendendo o conceito de "hau", percebe-se com facilidade como esse termo se encaixa. Quando há a troca sob a dádiva, firma-se um contrato, um vínculo entre almas. Importante esclarecer alguns aspectos. O autor demonstra a diferença entre o que seriam as chamadas sociedades "primitivas", "arcaicas" e as atuais, que chamaremos de "capitalistas". Nas "primitivas" não há separação entre coisas e pessoas. Estão interligados diretamente, e com o "hau" um objeto quase que se torna um indivíduo de fato. Nas "arcaicas", caracterizadas pela presença da moeda, ainda há relação entre pessoas e coisas. Em Atenas, por exemplo, somente cidadãos da pólis poderiam comprar alguns pedaços de terra. Já as sociedades "capitalistas" caracterizam-se por uma separação total de pessoas e coisas. O que importa é o dinheiro, a moeda. Se o possui, irá adquirir o que deseja. A troca sob a lógica da dádiva, nas sociedades "primitivas", constrói assim um vínculo de almas. Pressupõe a formação desse vínculo para acontecer. Importante concluir, no entanto, que essas relações de troca não se opõem necessariamente às do tipo comercial. Interpenetram-se com frequência, de modo que ainda temos condições de observar exemplos contemporâneos da mesma. Como já dito aqui, um mero papel de bala pode ter imenso significado para um casal, e ser presente de grande valia sentimental. Basta que carregue em si a memória de um momento feliz...

- Importante adendo: para que haja vínculo de almas, é necessário que o significado dos presentes seja culturalmente análogo. Logo, não há vínculo de almas nas primeiras trocas entre indígenas e europeus, por favor...


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Resumo da Aula 7: "Ensaio sobre a dádiva - sessão I" (26/08)

- Os trabalhos se iniciaram com um breve retorno à análise do título da obra. Já compreendemos em outra ocasião as razões do termo Ensaio. Mas o que podemos compreender como Dádiva? O conceito carrega em sim três forças interdependentes, estágios intrínsecos à lógica. Para que haja "dádiva", deve-se observar a entrega, o recebimento e a retribuição. A troca realizada sob essa lógica é sempre carregada de significado, pois a dádiva refere-se ao estabelecimento de um vínculo. Sob esse prisma, compreende-se que o aspecto material não é protagonista nessa relação. Importa a conexão que se estabelece, fundamental para a construção de qualquer sociedade. Impossível não perceber as influências pessoais de Marcel Mauss na análise da questão. O autor escreve esse ensaio quatro anos após o fim da Grande Guerra. Período em que se encontrava sem parceiros, uma vez que muitos de seus companheiros da escola sociológica francesa haviam perecido. Durkheim, seu tio, morrera pouco depois. Assim como no samba, em que diversos compositores tem seus parceiros de confiança com o qual sempre contam, Marcel Mauss também os tinha, e de repente se viu "sozinho".

- Desta forma, Mauss busca o estudo de sociedades que ainda não possuem moeda para construir sua crítica à sociedade em que vive. E em meio a esse estudo, uma questão salta à percepção do observador francês. O que te faz retribuir o presente, a dádiva, o gesto? Foi dado mais um exemplo de Acari, que auxiliou bastante a pensar a questão. Quando um certo professor se oferece para pagar uma rodada de cervejas no bar, a turma comemora mas faz um alerta. Fulaninho de Souza, que lá estava, não tinha o costume de pagar nada pra ninguém, e jamais retribuiria o gesto. O curioso não é a gozação dos amigos, mas sim a reação de Fulaninho. Irritado e preocupado, o rapaz fazia questão de oferecer uma cerveja ao professor toda vez que o via por Acari. Preocupava-se com sua reputação, não poderia ser marcado como ingrato. A retribuição se demonstra, assim, como obrigatória, até os dias atuais. Assim como qualquer troca sob a lógica da dádiva: é tão espontânea quanto obrigatória. Após um questionamento da Alana Ribeiro, a situação tornou-se ainda mais clara. Considerando a obrigatoriedade da lógica, todo presente é um desafio. Não aceitá-lo é uma espécie de "declaração de guerra", da mesma forma que não retribuí-lo. É a recusa no estabelecimento do vínculo de amizade, de generosidade.

- Concluimos assim o equívoco de Lévi-Strauss ao afirmar que Mauss fazia uma "teoria nativa". O autor francês busca nas sociedades ditas "primitivas" os elementos que ainda persistem na sociedade em que ele está inserido. A lógica estaria apenas escondida debaixo de outra que se intentava predominar: a de valorização do capital, do material. A retribuição obrigatória persiste, somente ressignificada. Naquelas sociedades se entende que ao dar algo estou de fato dando parte de mim, de meu "espírito". Não retribuir seria, assim, uma dívida espiritual. Se não o fizer, estou amaldiçoado. "Aqui", a justificação é diferente mas a reação é análoga. Se não retribuo, sofro danos à minha reputação. Serei reconhecido como ingrato, devedor, alguém que não valoriza ou aprecia os gestos de amizade ou carinho. Percebam o quanto a tal "teoria nativa" ressoa assustadoramente nos fracos muros da contemporaneidade...


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Resumo da Aula 6, ou a "Resposta ao Dia de Fúria" (21/08)

Moleque atrevido

“Por isso vê lá onde pisa respeite a camisa que a gente suou
Respeite quem pôde chegar aonde a gente chegou
E quando chegar ao terreiro procure primeiro saber quem eu sou
Respeite quem pôde chegar aonde a gente chegou!”

(Jorge Aragão)

Seguindo a regra proposta por você nas redes sociais, chamá-lo-ei de Marcos, que, à moda machadiana, tornou-se não um professor defunto, mas um defunto professor; uma vez que definiu seu próprio corpo, quando presente nesta sala, como um cadáver. Eu não possuo nenhuma vocação para falar com os mortos, no entanto, devido às contingências, abro mão do meu ceticismo e me coloco à sua frente; à maneira como me chamou, no famigerado Facebook, para estar aqui.
Agora, se me permite, irei me apresentar. Meu nome é Ian Barbosa de Sarges, tenho vinte anos, nascido no Méier e criado em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro. Como estudante do ensino básico, frequentei, ao todo, três escolas públicas, dentre as quais havia uma cujo lema era “Gastão, entra burro e sai ladrão”. Hoje, eu estou aqui para reafirmar que não saí burro, nem ladrão e muito menos covarde.

À moda barretiana, estimulo um desprezo cada vez maior pelo status dos “doutores” das repúblicas brasileiras, sejam eles médicos, advogados, engenheiros ou historiadores-antropólogos que praticam o que Sidney Chalhoub chamou de ideologia da ponta do nariz, implementada pelos senhores do século XIX. E, por isso, enfrento-lhe não como um marco pessoal, ainda que este esteja inexoravelmente presente, mas por um significado amplo, que atinge também o Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Eu não baterei cabeça para nenhum professor deste departamento que tome atitude igual a sua, seja ele dinossauro, elefante, chefe, coordenador ou qualquer outra classificação usual.

Finalizadas minhas primeiras considerações, apresentarei os porquês da posição de repúdio ao que houve nesta sala na última quinta-feira. E, para isso, voltarei às fontes, exercício característico da nossa formação. Refiro-me, sobretudo, a uma gravação completa do áudio da aula passada, bem como as minhas presenças. Aliás, isto que farei é consuma sua própria profecia, Marcos. Num determinado momento da aula, você disse que as gravações dos nossos encontros poderiam servir para historiadores do futuro. Bem, eu sou um deles. Então, eu encaixo o meu texto na famosa modalidade de História do Tempo Presente.

Vamos ao que interessa! O ambiente da última aula estava, desde o começo, hostil. Principalmente, por você claramente ter se preparado para entrar em confronto direto com a turma. Esta, por sua vez, comparecia empolgada depois dos belos depoimentos e debates da última aula. Com agressividade bem acima da média, você tentou trancar a porta da sala e, não conseguindo, proibiu a entrada dos alunos que ainda estavam chegando.

Após tal arbitrariedade, enfim, logrou em ler seus textos provocativos, sendo que num deles, atacou “as patrulheiras do politicamente correto”, revelando assim o motivo de tanta fúria. Quem sabe por uma tendência à hipérbole da literatura, descreveu a postagem no Facebook como uma APUNHALADA PELAS COSTAS, a qual foi desferida NA CALADA DA NOITE. No meu tempo, de manhã era dia e apunhalada pelas costas pressupunha uma tentativa de disfarçar o golpe para que outro não saiba. Mas a discussão deu-se de forma pública e com marcação direta de sua conta.

Com a hipérbole e ego afiados, continuou sua arenga. Ilusoriamente, descreveu-se como inimigo-mor e injustiçado frente aos carrascos infindáveis. Respaldado pela historiografia, sinto lhe informar que os heróis são construções sociais que possuem a importância e ação limitadas pelos condicionamentos do contexto, como qualquer outro ator social. Na verdade, é a memória, a qual é afetiva e seletiva, que os colocam em posições acima daquelas que realmente ocupam.

A luta por universidade melhor é absolutamente maior que você, mesmo se levarmos em conta somente a UFF. O movimento estudantil é uma característica das universidades públicas e, como deve saber, goza de tamanha importância que foi e é objeto de estudos por parte dos campos das humanidades. Para citar um dos últimos grandes exemplos nesta universidade, em dois mil e onze, os estudantes da UFF ocuparam a reitoria, exigindo e questionando a cadeia de comando universitária.

A luta dessas meninas contra a ditadura do cabelo liso não é traduzida na frase “não tem que mudar a porra do cabelinho só”. Todo cientista social deveria saber da importância do cabelo na identidade da mulher. Tal como os depoimentos, carregados de sentimentos, mostraram nesta mesma sala. Portanto, apenas aqueles que foram não só teoricamente ingênuos, mas igualmente insensíveis, não captaram a mensagem.

Em termos de dimensão, os problemas de uma faculdade é um ponto no mar, enquanto a luta contra o racismo é o próprio mar. É um fato social, isto é, penetra todos os espaços da sociedade, ao contrário do alcance das universidades públicas, as quais ainda não abriram as portas para aqueles que deveriam ocupá-la. Minhas possíveis dores em trinta anos de trabalho, ganhando um salário muito acima da média dos brasileiros, talvez seja menor do que o sofrimento de uma mulher ao ver seu cabelo cair depois da utilização de tanta química.

As denominações “pele morta” e/ou cabelo politicamente correto, não refletem a complexidade do que está em jogo. Por exemplo, segundo um professor defunto, baseado em Geertz, os cabelos dreadlocks são símbolos que podem ser lidos. Eles nos passam uma mensagem de afirmação e intimidação, exaltando a identidade negra. Será que o professor defunto denominaria isto de politicamente correto?

Bem, eu duvido muito, pois essa postura das meninas, bem como a preocupação com a grafia das palavras – como, por exemplo, alunxs -, corrobora para comprovar a importância da cultura – a qual é tão relevante ou real quanto às faces econômicas e materiais da sociedade; e tão espaço de luta quanto às arenas reconhecidas. Tais ações são - pelo que eu entendi do trecho sobre Chartier - apropriações dotadas de estratégias discursivas, que por sua vez engendram uma representação, no sentido de “exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou alguém”. Assim, como o que houve nesta sala, a luta e o conflito nascem, posto que a leitura dos símbolos não é unívoca, revelando as relações de poder e a importância de saber a posição de quem discursa.

Repudio, de igual modo, a incompreensão da tessitura social desta geração. Nós não deixamos de sermos seres humanos porque utilizamos uma ferramenta tecnológica para promover debates e discussões. As arenas de conflitos, sejam elas “virtuais” ou “reais” – deixando claro que não concordo com essa oposição -, são permeadas de ataques passionais, os quais não acrescentam ao debate, mas podem igualmente serem constituídas de valor intelectual. Como historiadores, dificilmente, engolimos a existência do inerente. Acreditamos mais nas possibilidades. Talvez, cremos mais na inerência das possibilidades. Nesse sentido, a internet poderá servir para fins cruéis, como a invasão de privacidade, a calúnia e a difamação, mas também para fins democráticos: as denúncias de interesse público e, tendo como consequência, a mobilização das pessoas, o que provoca, no fim, a democratização da informação.

Tendo isso em vista, defendo o direito dos alunos levantarem debates em sala de aula ou em fóruns nas redes sociais, principalmente se as questões suscitadas originaram-se de um espaço público, seja ele o da universidade ou não. Quatro horas na semana não contemplam todos os argumentos, visões e perspectivas. Em contraponto, é claro, tais ampliações das possibilidades precisam vir carregadas de códigos que garantam o direito à resposta, o respeito e o conhecimento dos envolvidos, tal qual ocorreu no nosso caso.

Encaminhava-me para a conclusão, mas lembrei-me de outro problema que vale ser levantado. Há trinta anos, qual era o perfil dos alunos que ocupavam esta universidade? Hoje, quem são eles? Não tenho os números, mas arrisco dizer que existe um contingente atualmente para o qual não era possível cogitar a entrada numa universidade pública. E o meu coloco entre eles. Entre a minha família, eu sou o único, em várias gerações, que conseguiu entrar numa universidade pública. Eu não sou da Zona Sul e nem de Icaraí. Será que a esse contingente pode ser exigida a postura de recusa de bolsas que universidade oferece? Não é questão de culhão, é questão de sobrevivência, como aquele sujeito que não aceitou usar camisinha mesmo sabendo que poderia contrair o vírus do HIV. Mas, mesmo aqueles que possuem base para negar qualquer bolsa da faculdade ou das agências de fomento, eu desafio - inspirado em Jesus Cristo, pois “o cristianismo é foda”: Atire a primeira pedra quem fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. sem qualquer tipo de bolsa.

Precisamos estar conscientes das posições em que cada pessoa se encontra, a fim de que não ousemos cobrar desafios impraticáveis. Principalmente quando já não tivermos mais nada a perder, enquanto o outro ainda não chegou nem ao nível de perder algo, uma vez que, há pouco, iniciou sua caminhada.

Para finalizar, farei o exercício da reconsideração junto com o da manutenção. Primeiramente, retiro a frase em que lhe chamei de frustrado. Fiz isso num momento no qual tentei encontrar agressões que o atingissem. Quem sabe, você até seja um frustrado, mas um frustrado igual aos grandes homens que sacrificaram uma carreira para incomodar aqueles que batem cabeça para o sistema universitário. Todos nós de certa forma nos curvamos por conta dos condicionamentos, no entanto, isso não quer dizer que não lutamos contra. Por outro lado, baseado em tudo que escrevi, faço uma manutenção ou reafirmação contrária a sua postura na última aula, louvando, ao mesmo tempo, o pedido de desculpas à turma – o qual eu vi agora nas redes sociais, depois de ter produzido mais de três quartos deste texto.



De: Ian Barbosa de Sarges
Para: Marcos Alvito

Resumo da Aula 5: "Marcel Mauss de cabelos cacheados" (19/08)

- Fazendo uma conexão à fagulha da Alana Ribeiro, começamos a aula discutindo sobre o preconceito. Como entender essa classificação ou hierarquização de características físicas? Trata-se de um processo histórico, socialmente construído ao longo do tempo. O corpo é, assim, também um objeto histórico. Lembramos que foi Marcel Mauss o primeiro a estudar o corpo em seu aspecto sociológico (Sugestão de leitura 03). O racismo revela-se como uma estúpida generalização de experiências históricas, interiorizando-se em alguns com espantosa "naturalidade". O que nos interessa observar é a opressão presente nas mais diversas relações de poder. Relações essas que implicam dominação. O corpo pode ser assim um veículo de afirmação ou contestação dessas relações. Explica-se...

- Utilizando-nos de um exemplo histórico, citamos o caso espartano. Os guerreiros de Esparta tinham o costume de pentear seus cabelos antes das batalhas. O que parece exótico é na verdade facilmente explicável. O cabelo, arrumado à moda "espartana", era um dos símbolos de identidade daquele grupo. Quando o inimigo avistava um soldado se aproximando com os cabelos arrumados daquela forma, sabia que teria problemas. Até porque essa tradição "capilar" era essencialmente aristocrática. E como bem sabemos, guerrear era uma arte ou ofício dos nobres. Aqui, observamos um claro exemplo de cristalização de uma relação de poder, através de um símbolo. Cabelos, roupa, corpo, barba... Todos exemplos de marcas de um processo histórico-social. Símbolos de identidade. Outro exemplo do uso do corpo para o estabelecimento de uma relação de poder? O exército. Posições de sentido, marcha... O corpo é utilizado para evidenciar pertencimento ao grupo, além de submissão às suas regras.

- Exemplo tão triste quanto poderoso se deu em Acari. Um professor percebeu que duas meninas, alunas suas, atrasavam-se todos os dias, atrapalhando sua aula. Decidiu-se rápido: passou um belo sermão na frente da turma inteira. Ele deveria ser respeitado, afinal... Mas os atrasos continuaram. Irritado e intrigado, o docente resolveu pesquisar. A aula anterior era de Educação Física, mas ele pôde observar que a mesma se encerrava em horário normal. Qual seria então a razão do atraso? As meninas, histórico e sociologicamente negras, não tomavam banho junto com as colegas. Esperavam todas terminarem, para enfim começar sua higiene. O motivo, triste, foi logo descoberto. As duas sofriam perseguições das outras, que zombavam do fato delas terem pêlos pubianos crespos, opostos a seus cabelos alisados. Para não sofrer mais, preferiam aguardar e se banhar depois. O corpo é veículo do processo histórico. Carrega assim, em si, diversas relações de poder. É, em suma, um objeto de poder. Importante refletir sobre as imposições sociais ao corpo feminino, por exemplo. O alto número de salões de beleza no subúrbio não traria consigo uma proposta de "embranquecimento"? O debate aqui é muito válido, e a aula inspirada na "ditadura do cabelo liso" assim o comprovou.


Sugestão de leitura 03
MAUSS, Marcel. "As técnicas do corpo". In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Resumo da Aula 4: "Apresentando Marcel Mauss" (14/08)

- Demos início à Unidade I de nosso programa debatendo um pouco sobre a vida de Marcel Mauss, contextualizando sua obra. A relação entre vida e obra se demonstra óbvia já no título desta: Ensaio sobre a dádiva. "Ensaio" significa "esboço", algo ainda inacabado, que não tem pretensão de ser ponto final. Como relacionar isso à biografia do autor francês? Sobrinho de Émile Durkheim, Mauss sempre foi bastante diferente de seu tio. Importante lembrar o papel de Durkheim na luta por "espaços" para a Sociologia, na legitimação da mesma enquanto Ciência. Para tal, ele nunca hesitou em bater de frente com as Ciências já consolidadas e reconhecidas. Afronta a Psicologia, por exemplo, ao escrever sobre o suicídio (Sugestão de leitura 02). Demonstra que o fenômeno também possui causas sociológicas, como questões políticas ou mesmo climáticas. Durkheim era, em suma, reconhecido por essa seriedade severa, disciplinada. Mauss era o oposto. Gostava de experimentar, observar, sair. Teve que ser trancado pelo próprio tio em um cômodo, para que assim enfim terminasse de escrever sua tese. Esse é o Marcel Mauss do Ensaio, deixando claro no título do trabalho suas percepções de vida. É "ensaio" pois não se pretende ser a autoridade maior e final do assunto. Compreende a complexidade das relações humanas, e as variadas possibilidades de observação das mesmas.

- Mas e quanto à "dádiva", o que seria? Sinônimo de "presente"? Na verdade, é bem mais. Estudando sociedades consideradas "primitivas", atrasadas, o autor oferece importante teoria. Observa que as relações sociais daqueles grupos são regidos por uma lógica de troca. Não se trata do presente, ou objeto material a ser trocado. A base desse verdadeiro sistema de estabelecimento de vínculos reside no significado da ação, na intenção. Não se trocam apenas objetos, ou alimentos. O que se troca é respeito, amizade, amor, carinho... Assim como no Dia dos Namorados observamos a obrigação ritual da troca de presentes. Não se trata do custo financeiro arraigado ao gesto, e sim dos significados atrelados ao mesmo. Um papel de bombom pode ter um valor absurdo, se representa a valorização de um momento, de uma memória. Observamos aqui também um pouco do objetivo político de Mauss ao escrever o Ensaio. Ele quer demonstrar a importância das relações firmadas na generosidade. Acima da valorização da mercadoria, da transformação do ser humano em cifra. A solução dos problemas sociais não adviria dos vícios do fetiche do capital. Mas também não seria com o fim absoluto do mercado e das relações de troca, com a submissão do povo a um governo qualquer. Nesse aspecto, as ditas sociedades primitivas eram bastante superiores ao mundo civilizado.

- Estudando as relações de troca, Mauss evidencia assim que a maior mentira que existe no mundo é a ideia de "indivíduo". O indivíduo só existe graças a uma criação coletiva, interdependente. Como se comunicaria de forma eficiente sem os auspícios da linguagem, por exemplo? Relembramos um pouco de Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês. Assim como Mauss, o autor demonstra a importância de outras relações que não as materiais com seu "tabu do incesto". Basicamente, a sociedade só existiria graças à esse tabu, que motivou a comunicação entre grupos distintos. Para não procriar com suas parentes, os homens trocavam suas mulheres com os de outro grupo, aprendendo e trocando experiências no processo. Assim a sociedade teria nascido e progredido. Mauss compreende também que a base do estabelecimento de uma sociedade reside nas relações recíprocas entre seus membros. A lógica da troca nada mais é do que a rocha das sociedades humanas. De tal forma que o autor procura demonstrar que nenhum ser humano consegue viver sem isso. Para aqueles que pretendem fazê-lo, com todo o respeito, que vivam entre objetos na tonga da mironga do kabuletê.


Sugestão de leitura 02
DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo de Sociologia. São Paulo, Editora WMF, 2011.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia
Fotos: Barbara Celi - Cook Multimídia
Matheus Viug - Cook Multimídia

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Resumo da Aula 3: "Para uma utilização crítica da antropologia pelos historiadores" (12/08)

Fagulha 02 - "Minha alma usa sapatilhas", por Caroline Sant'Anna
- Minha história com o ballet começou há muito tempo, exatamente há 14 anos. Foi quando eu fui assistir a uma apresentação da minha prima e ouvi pela primeira vez a variação do cisne negro do lago dos cisnes. Naquele momento eu sabia que precisava fazer ballet, pois o ritmo já havia me conquistado. Entrei pra escola de ballet em 2002, aos nove anos, na escola municipal de dança Elba Nogueira, em Rio das Ostras e dois anos depois eu já estava fazendo aula com meninas mais avançadas que eu, na sapatilha de ponta. Eu comecei a me destacar muito no ballet, talvez pelo meu físico, já que sempre fui muito magra, sempre tive facilidade nos exercícios e sempre me dediquei muito. Me apresentava no Teatro Municipal de Rio das Ostras, em festivais pela região dos lagos e dançava nos autos de natal da cidade. Tudo ia muito bem quando eu soube, no ano de 2005, que minha mãe estava com câncer de pulmão. Eu, que morava com minha avó, voltei a morar com meus pais para dar um incentivo maior ao tratamento da minha mãe. E assim foi. Em 2006, eu já havia voltado a morar com ela e já tinha entrado numa escola de dança profissionalizante no Rio. E esse foi o auge da minha vida como bailarina. Dançava todos os dias, às vezes ficava o dia inteiro ensaiando, ensaiando. Comecei a ensaiar algumas variações que seriam apresentadas nos festivais que iria competir. Foi um ano de muitas apresentações, vitórias nas competições, ensaios e mais ensaios. Tudo ia bem até que em setembro o pior aconteceu. O câncer levou minha mãe para sempre. Logo ela que sempre me apoiou, logo ela que amava me ver dançando... Por mais que a dor pesasse, eu não parei. Não parei por que quando eu dançava, era como se estivesse dançando pra ela. E isso me fazia querer dançar...

- Em 2007, meu pai se casou novamente e ele que sempre achou que ballet devia ser apenas um "hobby", não ficou contente quando soube que eu queria ser bailarina profissional. Que era o que eu amava fazer. Sendo assim, nesse mesmo ano eu fui tirada do ballet e só poderia voltar depois que eu não morasse mais lá. Sete anos se passaram, eu estudei, passei no vestibular, entrei pra faculdade e estava feliz. Tinha tudo, mas ainda assim me sentia vazia. Faltava algo e eu sabia que era o ballet. Depois de sete anos parada, eu, que já não morava mais com meu pai, voltei pro ballet. Voltei e tive que reaprender cada passo, cada tempo musical, cada gesto. Voltei pra uma turma de meninas de 10, 11, 12 anos. E eu, com 20. Mas isso não me desanimou. Continuei, dei tudo de mim e com apenas 2 meses, fui chamada pra entrar para o grupo de dança da escola. Ensaios e mais ensaios novamente. Voltei aos palcos dos festivais, voltei a ouvir o nome da escola nas premiações, voltei ao que sempre me pertenceu. A maior provação mesmo veio ao final do ano, quando a escola ia apresentar a versão completa do ballet Dom Quixote. Fiquei animada e estava tranquila pois ia dançar algo fácil, que eu sabia que dava conta. Porém, um dia quando cheguei pro ensaio, a diretora da escola me disse que eu ia dançar em todos os atos, ou seja, não ia sair do palco e mais, ia dançar as coreografias mais difíceis. Aquilo foi demais para mim, entrei em pânico pois não me achava capaz de fazer isso. Disse que queria desistir, que tinha ficado muito tempo parada e que não daria conta e foi nesse dia que ela virou pra mim e disse: "Carol, se eu estou te colocando é por que eu sei do que você é capaz. Eu confio em você. Não foi você quem escolheu o ballet, foi ele quem te escolheu. A sua alma usa sapatilhas". Depois disso eu resolvi aceitar o desafio e comecei a ensaiar. Foram muitas frustrações, cansei de voltar pra casa chorando pois não estava pegando os passos. Muitos erros, tombos e dores. Mas eu consegui, aos poucos eu fui achando meu lugar e fui confiando mais em mim. E finalmente aqueles dois dias de apresentação foram gloriosos. Não fui eu quem dançou ali, foi minha alma, meu coração. E não existe lugar que eu ame mais na vida que o palco. E eu posso sair de novo do ballet que eu sei que vou voltar. Nem que seja com 30, 40, 50 anos, eu vou voltar. Por que quem é escolhido pelo ballet, não se vê livre dele jamais.

Aula
- Estabelecendo uma relação com o tema da fagulha, o professor Alvito começou a aula propondo uma crítica à universidade. Citando o livro O Ano Mil, de Georges Duby, comparou nosso modelo de sala de aula a uma prisão. Ao contrário dos antigos gregos, que lecionavam nos jardins, explorando a natureza, a nossa sala segue o padrão medieval. Padrão esse de aprisionamento dos corpos, dos movimentos. Não se expressa, não se pode dançar, por exemplo. O que nos leva diretamente a E. P. Thompson, autor do texto-base utilizado na aula e exemplo de alguém que era "contestador por excelência". Trazendo informações de um artigo seu (Sugestão de leitura 01), o professor traçou uma breve biografia do autor inglês, antes de explorar melhor seu texto. Nascido em Oxford, mas formado em Cambridge, Thompson recebe "de berço" as influências de sua natureza desafiadora. Seu pai, embora pastor, chegou a afirmar que a religião era "a maior peste do mundo". E assim cresceu, filiando-se ao Partido Comunista com apenas 18 anos e interrompendo seus estudos para se alistar e lutar na 2ª Guerra Mundial. É durante a Guerra, inclusive, que conhece sua futura esposa, Dorothy. Quando retorna, se torna professor de um curso noturno "extra-muros", da Universidade de Leeds. Dando aulas para adultos, em sua maioria trabalhadores, deixa claro seu objetivo: "formar revolucionários".

- E era nestas turmas que Thompson fazia uma verdadeira pesquisa antropológica com seus alunos. Sempre interessado em ouvir as experiências da classe que defendia, o professor aproveitava esses momentos para testar suas hipóteses. Escreve, através desse método peculiar, seu livro mais famoso: A Formação da Classe Operária na Inglaterra. Resumindo a obra em poucas palavras, o autor discorda da existência de uma "consciência de classe", que seria formada apenas na luta, na experiência. Bate de frente assim com a grande maioria dos teóricos marxistas, sendo criticado por alguns como deturpador das ideias de Marx. Ganha diversos seguidores dentro do próprio movimento, no entanto, tornando-se uma espécie de celebridade. Convidado a trabalhar na Universidade de Warwick, cria um centro de pesquisa voltado à História Social. Demite-se, no entanto, apenas 6 anos depois, criticando a mercantilização do saber.

- É a partir dessa contextualização que iniciamos o debate sobre o Texto 03, oriundo de uma palestra ministrada por Thompson na Índia, em 1977. Qual seria o objetivo do texto em questão? Estabelecer a relação útil e possível entre História e Antropologia. Para tal, o autor inicia sua conferência já conquistando o público, revelando-se um "impostor". Demonstra assim uma relação de contato direto com o ouvinte / leitor, convidando à participação, à reflexão. Desta forma, convida-nos a utilizar, junto com ele, a Antropologia para entender aspectos da cultura popular e ritual da Inglaterra no séc. XVIII. Trata-se, simplesmente, de um exercício de compreensão do diferente, histórico e antropológico. Importante o exemplo dado pelo mesmo da questão da venda de esposas. Somente um olhar antropológico seria capaz de superar a barreira epistemológica trazida pela fonte: quem escreveu sobre o costume, não fazia parte da cultura popular. Aí entra a Antropologia, com a comparação com outras sociedades, outros costumes. Sempre em busca da compreensão do diferente, da difícil transformação do exótico em familiar. É preciso, no entanto, entender que esse uso tem limites. Cada processo histórico tem suas especificidades. A escolha da teoria a ser utilizada não pode ser então aleatória: faz-se necessário estudar a questão. Citando o professor Alvito, "a teoria é a coisa mais prática que existe". É prática, pois nasce sempre a partir de um estudo empírico.


Referências Bibliográficas
(Texto 03) THOMPSON, E.P. "Folclore, antropologia e história social". In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, Editora da Unicamp, 2001. pp. 227-267.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia
Fotos: Barbara Celi - Cook Multimídia
Mateus Gusmão - Cook Multimídia

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Resumo da Aula 2: "História e Antropologia, reflexões iniciais" (07/08)


Fagulha 01 - "O bom filho à casa torna", por Mateus Gusmão
- Quando recebi o desafio de preparar a primeira fagulha, não tive dúvidas sobre o que falaria. Deveria comentar sobre o meu primeiro momento em sala de aula, em um colégio que fez toda a diferença para a minha formação humana e acadêmica. O tempo que havia para o preparo e a importância que esse momento possui me levaram a tal escolha. Apesar de saber que seria extremamente gratificante, estar totalmente empolgado e obter uma excelente ajuda dos meus amigos, tive que explicar aos meus colegas os contratempos encontrados no preparo e na execução da aula. Primeiramente resumir todo o contexto europeu dos séculos XVI, XVII e XVIII em apenas 3 aulas. Para tal, utilizei obras de autores como David Landes, E. Thompson e F. Engels. Outro desafio seria falar de História para alunos que esperavam ansiosamente uma brilhante aula de princípios físicos para o funcionamento de um motor concebido na Europa Moderna.

- No entanto, apesar das dificuldades, aprendi demais com a experiência. Penso que a vocação ou dom para ser professor, está diretamente ligada à relação que se estabelece com os alunos. E é a reação deles que legitima. No meu caso particular, a maior recompensa do trabalho foi a reação positiva dos alunos à minha aula. Quanto à pergunta feita pelo professor Alvito, sobre qual conselho eu daria para quem deseja saber como começar a dar aulas, seria direto. Faça de conta que a sua oportunidade pode chegar amanhã. Caso ela chegue, você já estará preparado, e com certeza fará um bom trabalho.






Aula
- Começamos a aula trabalhando com a primeira tese de doutorado em Antropologia do professor Marcos Alvito (Texto 01 das leituras recomendadas). Não finalizado graças ao interesse do mesmo em estudar a favela de Acari (a segunda tese, que foi concluída), o trabalho se trata de um estudo sobre o controle do corpo feminino e sua apropriação social na Grécia Antiga. Comparando os casos de Atenas e Esparta, o autor demonstra a importância do corpo feminino por ser possuidor da capacidade biológica de reprodução da espécie. De um lado Atenas, onde a mulher permanecia costumeiramente trancada no gineceu. Suas saídas, sempre esporádicas, eram reservadas para grandes ocasiões, como festas importantes ou funerais. Somente as muito pobres saíam às ruas com frequência, sendo vistas socialmente sempre como prostitutas em potencial. Um exemplo desse costume ateniense se encontra em "Sobre a morte de Eratóstenes", história de adultério feminino em que o nome da mulher nem mencionado é, evidenciando seu papel social exigido de submissão e passividade. Do outro lado Esparta, conhecida pela sua cultura de guerra, onde as mulheres eram valorizadas tão simplesmente por sua capacidade reprodutiva. Segundo Aristóteles, entre os espartanos não havia ciúmes, pois a mulher servia a um propósito claro: dar filhos aos "parceiros" sexuais, sejam lá quais forem.

- Mergulhando então no primeiro capítulo - "A Fronteira" -, foi proposto à turma um exercício de escolha de palavras-chave, na busca de um entendimento mais completo da leitura. Quem escolhe palavras-chave elege, por assim dizer, os assuntos que considera mais importantes no texto. As palavras escolhidas foram: "fronteira"; "identidade"; "relações"; "explosão (dupla)"; "unilaterais"; "enfoque comparativo"; e "interdisciplinaridade". Compreendemos que a tal da fronteira entre disciplinas, aqui sendo a História e a Antropologia, é basicamente corporativa. Elas se interpenetram, comunicam-se o tempo inteiro. O próprio termo remete a uma ideia histórica de troca, intercâmbio. Embora essa separação absurda ainda persista no campo burocrático, não faltam exemplos de autores que conseguiram enxergam além das tais fronteiras, promovendo um verdadeiro diálogo interdisciplinar. Para citar apenas um, trazemos Marcel Mauss, que será estudado com mais clareza no decorrer de nossa primeira unidade.


- Conexão perfeita se faz, a partir dessa ideia, com a leitura de Paul Veyne (Texto 02). O autor afirma, resumidamente, que a História por si só não tem nenhuma teoria. Há na disciplina uma falta de "constantes". Por isso, ela necessita de contato frequente com outros campos de conhecimento das Ciências Humanas, tornando-se assim mais completa. Para falar de religião, por exemplo, não basta enumerar fatos e datas e assim supor que se tem uma análise do processo em mãos. É preciso entender a problemática de dentro, fazer observações, e assim desenvolver uma teoria acerca daquilo. Faz-se necessário entender o sentido das coisas. A Antropologia busca esse entendimento, de tal forma que a História não poderia andar sozinha sem a utilização de seus saberes teóricos. Tal qual a Astronomia, sem os valorosos estudos da Física.

Referências Bibliográficas
(Texto 01) ALVITO, Marcos. "Rumo à dupla explosão? Os historiadores e suas sete tribos antropológicas". 1995.
(Texto 02) VEYNE, Paul. O inventário das diferenças: História e Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1983.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia
Fotos: Barbara Celi - Cook Multimídia

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Resumo da Aula 1: "Apresentação do programa, do professor e dos alunos" (05/08)



- O curso de História e Antropologia teve seu início de forma incomum, com a proposta de um enigma: analisar a canção Can't Buy Me Love, dos Beatles. Sua letra evidencia uma clara crítica à sociedade de consumo, com uma valorização do romantismo, do amor que não poderia ser comprado. A banda se torna assim figura central de um aparente paradoxo, pois vende uma quantidade absurda de discos e produtos enquanto projeta, não só nas letras de seus primeiros sucessos mas também em sua imagem, um ideal de romantismo quase que cavalheiresco. O que devemos retirar de toda essa análise, no entanto? A compreensão de um período histórico em que a lógica capitalista começa a ser criticada, quando muitos artistas (músicos, principalmente) produzem um notável volume de criações dispostas a demonstrar que essa lógica do mercado não basta. O mundo não é regido pela lógica da mercadoria, apenas, e há aqui em nossa música estudada a introdução de uma outra lógica, a do presente. Importante notar que seu valor não é mensurado no aspecto financeiro, material, e sim em seu aspecto sentimental. Nas palavras do próprio professor Marcos Alvito, o mundo não existe sem essa lógica subjacente. Um exemplo? O fato de ainda termos filhos, ideia completamente fora de cogitação caso vivêssemos única e exclusivamente sob a lógica da mercadoria, uma vez que os mesmos representariam nada além do que um gasto a mais.


- Essa explicação inicial serviu para introduzir levemente o que ainda debateremos ao estudar Marcel Mauss, e também para demonstrar a importância de uma teoria para entender o mundo. Pedindo a ajuda do colega Felipe, que desenhou um penteado estilo "dreadlock" no quadro negro, o professor demonstrou então a simbologia do mesmo, estabelecendo uma conexão entre o uso do penteado e a luta contra os padrões, a reafirmação da identidade e do passado "negros". Para tal, foi utilizado o exemplo de Bob Marley e o movimento rastafari, tendo a belíssima Redemption Song sendo usada como um marco dessa lembrança e reafirmação identitária. O "dreadlock" (que já carrega o preconceito em seu nome, pois dread = terrível, horroroso) é tão símbolo quanto uma cruz, por exemplo, que traz em si, independente do quão mal desenhada seja, toda a carga de significados relacionados a sua ligação com o Cristianismo, o que representa dentro da religião. Tivemos desta forma a introdução de uma visão semiótica da cultura, com a interpretação e compreensão de alguns símbolos sociais, que estudaremos melhor em Geertz, durante o curso.



- Concluimos a aula então com a apresentação do funcionamento do curso, que será dividido em três unidades, além das questões preliminares acerca das relações entre História e Antropologia que lhe servirão de Introdução. A primeira unidade será dedicada ao estudo de "Um Ensaio sobre a Dádiva (Dom)", de Marcel Mauss, com um esforço na compreensão da aplicação da teoria, depois de seu entendimento. O trabalho desta unidade, que permanece uma surpresa, será obrigatório a todos os alunos, e tem como prazo de entrega o dia 4 de setembro. A segunda unidade será marcada pelo estudo de Clifford Geertz, com destaque ao conceito semiótico de cultura e às divergências interpretativas de Robert Darnton e Roger Chartier sobre o tema. Fechando o curso, a terceira unidade com a análise de Marshall Sahlins, e a possível fusão de História e Antropologia. Os trabalhos da unidades 2 e 3 não são obrigatórios, tendo o aluno a oportunidade de escolher qual dos dois irá fazer (óbvio que necessita escolher um dos dois). As datas de entrega são, respectivamente, os dias 2 de outubro e 6 de novembro.

- Convidamos os amigos a curtir nossa fan page no Facebook para não perder nenhuma atualização das atividades do grupo. Fiquem atentos pois em breve publicaremos também trabalhos de vídeo e áudio, sempre com os conteúdos do curso. Voltem sempre e até a próxima!



Douglas Coutinho - Cook Multimídia

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Apresentação do Blog

Amig@s, sejam bem-vind@s!!!


Esse espaço foi criado pelo grupo Cook Multimídia para postarmos resumos acerca das aulas do curso "História e Antropologia", ministrado pelo professor Marcos Alvito no segundo semestre de 2014. Os resumos têm como objetivo auxiliar todos os alunos do curso, condensando em postagens regulares os conteúdos apresentados e discutidos em sala de aula, sendo de extrema utilidade para todos aqueles que necessitarem faltar a alguma delas, por exemplo, sem perder tanto quanto provavelmente perderiam sem esse recurso. Procuraremos também trazer indicações de leitura sobre o tema sempre que for possível.

A não ser em casos excepcionais, devidamente avisados, as postagens serão publicadas em um prazo máximo de sete dias a partir da data da aula. Ressaltamos que faremos um esforço para encurtar esse prazo, especialmente quando as datas de entrega dos trabalhos se aproximarem. Desta forma, todos terão à disposição o conteúdo básico necessário para confeccioná-los com mais eficiência e segurança. O primeiro resumo, sobre a aula 1 (do dia 05/08), deverá ir ao ar nesta próxima segunda (11/08), no período da tarde.

Enquanto os resumos não são postados, convidamos todos a curtir a nossa fan page no Facebook, e caso queiram fazer alguma crítica, sugestão, ou mesmo tirar uma dúvida, sugerimos que usem o espaço dos comentários ou nos enviem um e-mail: cookmultimidia@gmail.com.

Abraços e até a próxima!

Douglas Coutinho - Cook Multimídia