terça-feira, 18 de novembro de 2014

Resumo da Aula 23: "Sahlins, leitura 2" (04/11)

- O Capítulo 4 de Ilhas de História inicia-se relembrando os detalhes da chegada do Capitão Cook ao Hawai'i. "Fôra a recepção mais calorosa e entusiasmada conferida a qualquer viagem de descobrimento neste oceano". Oferendas, cânticos e uma quantidade absurdamente alta de havaianos empolgados e curiosos deram a tônica da ocasião. Um sacerdote leva Cook pela mão até o templo de Hikiau, No caminho, indivíduos prostrando-se ao chão ao ouvirem os gritos de "Ó, Lono!" entoados pelo arauto. Como bem sabemos, Lono era o deus associado à reprodução humana e ao incremento natural, que retorna anualmente à ilha. É também ele o rei antigo, em busca de sua noiva sagrada. A pequena descrição aqui recordada exemplifica o que seria uma metáfora histórica de uma realidade mítica. De um lado o aspecto histórico, o "fato", qual seja a chegada de Cook à ilha. De outro a realidade daquela cultura local, a interpretação desse fato: a volta de Lono. De um lado, o mito havaiano. Do outro, o folclore britânico. Sim, não se assustem com a expressão! Afinal, o Capitão Cook não acreditava que todas aquelas oferendas vinham do "rei", e que a ele deveriam ser retribuídas? Eis aí as marcas de sua própria ordem cultural: a busca por um rei, aos moldes dos exemplos europeus, aqui especialmente o britânico. O que James Cook não imaginava é que naquela cultura Lono era rival mitológico do chefe, do "rei". Quem organizava os festejos e se encarregava das oferendas? Os sacerdotes do templo de Lono, seus verdadeiros "aliados".

- Tal embate se tornará inevitável um pouco mais tarde. Quando Cook percebe que uma das pequenas embarcações adjacentes havia sido roubada, decide retaliar. Sequestra então um dos chefes, o rei Kalaniopu'u, para realizar a justa troca. O ato fôra interpretado pelos havaianos de acordo com seu sistema cultural: tratava-se de episódio marcante da rivalidade cósmica entre Lono e os chefes. Lono iria matá-lo, para assim inverter a ordem cosmológica. O resultado? Cook passa de objeto de adoração a objeto de hostilidade. Será eventualmente assassinado. De beneficiário de sacrifícios a vítima sacrificial. Houve no exemplo citado uma crise estrutural, isto é, quanto todas as relações sociais começam a mudar seus signos.

- O evento deve ser percebido então tanto como ação individual quanto representação coletiva. De um lado a contingência histórica, e as particularidades da ação individual. Do outro, as dimensões recorrentes do evento, onde reconhecemos uma certa ordem cultural. Só compreendemos o que de fato ocorreu, entendendo o significado das ações. Este significado é dado pela ordem cultural. Qualquer acontecimento somente se torna histórico quando é significativo. Uma vez que o significado é dado pela ordem cultural, só existe História com a participação da Antropologia. O que queremos dizer em relação às particularidades? Utilizemos o exemplo histórico. Aspectos individuais da personalidade de Cook só importam nesse caso se influenciam a sua representação enquanto indivíduo lógico. Ou seja, dependem de como ele estava inserido naquela determinada ordem cultural. Se ele tinha parasitas no intestino e por isso estava mal-humorado pouco importa. Importa se seu mau-humor levou-o ao ato de sequestro do chefe, o que teve impacto profundo em sua representação na ordem cultural havaiana. Mas é válido pensar que todos os havaianos acreditassem que Cook era mesmo Lono, o deus retornante? Impossível dizer, mas é fato que todos comportaram-se como se ele o fosse.


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 4: Capitão James Cook; ou o Deus Agonizante". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 140-171


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

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