sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Resumo da Aula 22: "Sahlins, leitura 1 - continuação" (30/10)

- Demos prosseguimento ao nosso estudo de Ilhas de História, buscando mergulhar com mais profundidade no texto. Como em todo texto teórico, faz-se importante investigar os conceitos utilizados e as questões suscitadas. E nesse primeiro capítulo de sua obra evidencia-se um objetivo um tanto quanto implícito. Sahlins busca, de fato, colocar em xeque todas as Ciências Sociais, ou melhor, seus modelos de explicação do desenvolvimento da sociedade (entenderemos melhor no decorrer do resumo, estudando as "estruturas performativas"). Trata-se, enfim, de um capítulo bastante "transgressor". O autor se utiliza da teoria marxista, por exemplo, deslocando-a e adaptando diversos de seus conceitos. É dessa forma que o antropólogo expõe o "amor" como infra-estrutura da sociedade havaiana, uma das formas de dominação social. O "amor" do povo para com seu chefe seria a consciência de sua própria servidão, e a justificação para sua lealdade em relação ao mesmo. Outro exemplo breve de suas transgressões no capítulo percebe-se na descrição debochada que o autor faz da noção de propriedade privada. A ideia de propriedade só existe pois nela acreditamos. Torna-se "sagrado" o seu direito, para citar o autor, uma vez que já internalizado em nosso habitus (conceito utilizado por Pierre Bourdieu, principalmente).

- Ainda dentro do tema das transgressões teóricas de Marshall Sahlins, realizamos um exercício de identificação de diversos outros conceitos em sua obra. Há, por exemplo, a presença da dádiva de Marcel Mauss, estudado em nossa primeira Unidade. Sim, pois quando os maridos havaianos depositavam os cordões umbilicais dos recém-nascidos nos conveses dos navios, havia ali a retribuição à dádiva da semente divina. Semente essa "plantada" nos ventres de suas esposas. A própria palavra le'a, que significaria algo próximo à "paixão", pressupõe uma satisfação mútua, uma troca, vejam só. E Sahlins não para em Mauss. O estruturalismo de Lévi-Strauss também se encontra presente de forma constante, como observado no uso da palavra "estrutura" ao referir-se às culturas. Pois retomando o termo le'a, perceberemos que outro significado possível seria "louvar a deus". Era exatamente isso que as havaianas faziam através do sexo com os marujos de Cook. Sua paixão estava intrinsecamente conectada à louvação divina. Eis aí mais uma vez o valor religioso e social do sexo. Aliás, tais inferências não seriam em si um belo exemplo da descrição densa trazida por Clifford Geertz? Sem mencionar que aqui se torna mais clara a ideia do "amor" enquanto infra-estrutura, que mencionamos no primeiro tópico. Marshall Sahlins demonstra aqui a perspectiva de análise de aspectos culturais fora da chamada "superestrutura". Uma vez que têm valor político, social, não poderiam ser vistos como dependentes de outros fatores, como o econômico.

- Marshall Sahlins propõe então que possamos pensar uma sociedade sem modelos fixos. Ao invés de estruturas fixas, uma estrutura performativa, que forma relações a partir de práticas. Sim, percebemos nesse estudo da sociedade havaiana um perfeito exemplar de tal máxima. Utilizemos como ilustração a maneira pela qual são vistos os chamados filhos "biológicos" e "adotivos". No Havaí, nutrir e adotar possuem o mesmo significado. É pai aquele que alimenta, que dá substância. Aqui neste caso as origens são de cunho religioso mesmo. Uma vez que me alimento de sua substância, me torno parte de você. Não há diferenciação em relação a quem nasceu do ventre de quem. Pai é quem nutre, alimenta, e ponto final. A relação de parentesco é aqui então determinada por uma determinada ação, e não o contrário. Nós também somos exemplos vivos dessas estruturas. Embora o título de professor garanta a prática da profissão, serão as ações do mesmo em sala de aula que determinarão a forma como o alunado o enxergará. Na prática, em nossa sociedade também, são as ações que determinam as relações. Curioso refletir sobre a amizade. Fazemos tudo por nossos amigos pois sedimentamos a relação através de seu reconhecimento mútuo? Ou nos reconhecemos como tais graças à ações anteriores e presentes que comprovem o sentimento da amizade? O que viria primeiro, na prática, a relação sedimentada guiando as ações posteriores de acordo com ela? Ou não seriam as ações em questão as responsáveis pela sedimentação da relação em questão? Parece-nos que as segundas opções apresentadas refletem melhor a realidade.

- Em conclusão, amarramos os conceitos de estruturas performativas e amor enquanto infra-estrutura em uma relação bastante óbvia. A estrutura da sociedade havaiana era altamente performativa pois a sociedade em questão era baseada no amor. O sexo detinha importância cosmológica. O universo era, enfim, uma genealogia. Foi a reprodução sexual dos deuses que originou o mundo. Não havia modelo fixo de família nesse Havaí. Tais modelos eram extremamente mutáveis. Tão mutáveis quanto essa estrutura, que muda exatamente porque admite a possibilidade de que suas categorias culturais sejam funcionalmente reavaliadas. Mas isso já é assunto pro próximo resumo...


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 1: Suplemento à viagem de Cook: ou 'le calcul sauvage'". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 23-59


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

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