- Para dar início à nova Unidade estudamos um pouco sobre nosso autor, Marshall Sahlins. Personificação da figura do velho "hippie" - ou do "hippie" velho, porque não?... -, o americano começou suas pesquisas sob uma perspectiva materialista. Após estudar bastante o trabalho de Claude Lévi-Strauss e repensar o conceito de "estruturalismo" do francês, o antropólogo passa a dar mais atenção ao simbólico. Propõe uma "ponte" entre o cultural e o econômico, ao argumentar por exemplo que os próprios sistemas econômicos eram culturalmente construídos e ordenados (Leia mais). Marshall Sahlins foi, enfim, talvez o autor que mais pensou a relação entre a História e Antropologia. Há de fato a tal separação entre a diacronia e sincronia como características intrínsecas de cada uma? É válido estudar a "estrutura" e o "evento" separadamente?
- No Capítulo 1 de seu Ilhas de História, Sahlins tira um verdadeiro sarro. Pega o tema do "amor livre" (Olha o "hippie" aí!) para trabalhar o duplo bloqueio: da Antropologia em pensar a mudança; e da História em pensar a cultura. Explicamos melhor: quando nos referimos ao amor livre, estamos fazendo referência à abordagem do autor em seu estudo da sociedade havaiana. Ele irá demonstrar, de forma bastante bem humorada, a importância do sexo na cultura em questão. Curioso perceber a reação "puritana" dos ingleses, devidamente debochada pelo autor. Há uma relação clara entre poder e sexo nas ilhas do Hawai'i. Para os nativos, o sexo era tudo, e Sahlins é brilhante ao argumentar através do estudo etimológico. Quando as mulheres corriam em direção às embarcações britânicas e pulavam em seus conveses, tudo o que elas faziam era buscar poder para si mesmas e seus grupos familiares. O sexo era apenas o meio de obtê-lo. Forçoso reconhecer a eficácia de tal tática. Como James Cook, o desbravador inglês, fôra tomado como o deus Lono (Estudaremos melhor nas aulas seguintes), carregar em seu ventre a semente de um de seus "emissários" era a garantia da ascensão social. Pois carregariam em si a semente divina, parte do deus.
- A chegada do capitão Cook à ilha é a demonstração clara do "embate" de duas culturas (ou estruturas, sistemas...): a havaiana e a inglesa. A chegada dele é justamente o evento que marca o encontro dessas duas estruturas. Percebam a intenção do autor. A Antropologia dedica-se ao estudo das estruturas/culturas. A História, por sua vez, dos eventos e suas consequências. Eis a união. Nós analisamos os acontecimentos/eventos de acordo com nossas categorias estruturais/culturais. A palavra "hipopótamo" é um belo exemplo. Significa "cavalo do rio" em grego. O animal não se parece nem um pouco comum cavalo, mas essa foi a analogia feita pelos primeiros observadores. Utilizaram-se de suas categorias culturais para descrevê-lo: conheciam o cavalo, e jamais tinha visto aquele animal estranho que vivia nos rios. Mas e quando o evento ultrapassa as categorias culturais, não se encaixa nelas de forma alguma? A perspectiva do sexo analisada brevemente no tópico anterior volta à baila. Para elas um encontro com o deus. Deus esse que deu à vida copulando com mulheres. A busca era da semente divina, e obviamente dos resultados sociais advindos do fato de carregá-la em seu ventre. Para os ingleses, exemplo de falta de pudor e prostituição. Sim, pois os marujos recompensavam as belas moças com presentes diversos após a relação sexual. Elas não pediam, mas também não recusavam. Afinal de contas, recusa-se um presente divino?...
- Eis aí o desastre cultural. Nenhum dos lados compreendia exatamente o que acontecia, pois baseados em suas interpretações próprias, parciais. Tal contato levou então à mudanças nas estruturas. A hierarquia social havaiana, que possuía origem cósmica, foi abalada. Havia uma separação entre deuses e homens, tal qual entre nobres e "povo", homem e mulher. Pois as mulheres aventureiras nas embarcações não só copulavam com os deuses estrangeiros, como também comiam à mesa junto deles. Um verdadeiro escândalo, a quebra de um tabu. Essa quebra de tabu também teve consequência impactante. Os "filhos de Lono" demonstraram-se impuros. A estrutura/cultura havaiana sofreu grande impacto, e teve que modificar-se. A estrutura tenta reproduzir-se, ressignificando, interpretando os eventos a partir da aplicação de suas próprias categorias culturais. Mas o elemento externo à ela, como aqui, nem sempre se comporta da forma esperada. Nem sempre se encaixa nessas tais categorias culturais, uma vez que oriundo de estrutura diferente. Percebemos, então, que as estruturas se transformam, ao tentar se repetir. Eis a ligação entre evento e estrutura demonstrada. Ligação entre História e Antropologia, enfim.
- O curso da História foi orquestrado pela lógica da cultura. E a lógica cultural é modificada ao sabor da História. Marshall Sahlins demonstra dessa forma as estruturas como "performativas". Trata-se de um modelo dialético. Opõe-se aos modelos "mecânicos" da Antropologia. Esses tais atentam apenas à estrutura, como sendo algo fixo. Estabelecem a cultura/estrutura como causa, sem assumir a ação do ser talvez a modificando, ao invés de somente suas tendências seguir. A lógica cultural foi construída historicamente, e assim também reconstrói-se. Tanto quanto os eventos históricos são influenciados pelas características culturais. Como dissemos, o estudo é dialético. Seguiremos com o mesmo ao decorrer da terceira e última Unidade, que apenas inicia-se por aqui.
Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 1: Suplemento à viagem de Cook: ou 'le calcul sauvage'". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 23-59
Douglas Coutinho - Cook Multimídia
Nenhum comentário:
Postar um comentário