quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Resumo da Aula 10: "Ensaio sobre a dádiva - sessão IV" (04/09)

- Prosseguimos em nosso estudo do Ensaio sobre a dádiva retomando o debate a partir de palavras-chave. Era necessário ainda discutir alguns conceitos. O que entender por "oferendas contratuais", por exemplo? Cabe aqui citar um livro de Natalie Zemon Davis, intitulado The Gift in Sixteenth-Century France (Sugestão de leitura 05). Referimos-nos à descrição que a autora realiza dos hábitos relacionados ao pedido de namoro na sociedade francesa do XVI. Comenta ela que antes de iniciar qualquer "relacionamento", o pretendente deveria estabelecer diversos contratos de dádiva com a família da moça. A família seria representada pela sua "pessoa moral" (o pai), que poderia aceitar ou recusar o presente ofertado. Recusar o gesto é sinônimo de recusa de uma aliança. Caso aceitasse, retribuiria concedendo "a mão" de sua filha. Há aqui belo exemplar de oferenda contratual. É algo que se oferta na intenção de firmar um vínculo, ou reafirmar o contrato.

- Outros termos demonstraram-se igualmente importantes para o estudo. "Circulação obrigatória" é um deles, conceito que será reapropriado mais tarde por Claude Lévi-Strauss. Há aqui intrínseca a lógica de comunicação entre grupos, em oposição à guerra. Lévi-Strauss analisa tal fato a partir do "tabu do incesto". Os grupos humanos começam a relacionar-se firmando alianças, através da troca de mulheres. O ato garantia a sobrevivência daqueles grupos, não só por evitarem a guerra como única reação ao contato, mas também por garantirem importante laço que poderia ser útil em épocas de carência de alimentos. Inicia-se assim, através da circulação obrigatória para a manutenção do laço, as relações de troca que seriam a rocha fundamental (conceito utilizado por Mauss, não Lévi-Strauss) sob a qual as sociedades erigiram-se. Aqui neste exemplo, a circulação seria de mulheres.

- Encerrando a dinâmica das palavras-chave, dois termos fizeram-se presentes: "propriedade-talismã" e "sistema de sacrifício". A propriedade-talismã refere-se ao objeto carregado de "mana", de energia superior. Trata-se de algo especial, diferenciado. Os presentes recebidos no "kula", estudado por Malinowski, eram carregados desse mana. Tratavam-se então de propriedades-talismã, exibidos com orgulho pelos chefes dos grupos. O sistema da "moda" atual é baseado neste conceito. Assim que todos passam a ter condições de adquirem aquela peça "especial", diferenciada, ela sai de "moda". Busca-se então outra propriedade-talismã para substituí-la no posto de "sonho de consumo". A comparação é, claro, superficial. Serve para propósitos didáticos mais diretos, no entanto. Quanto ao sacrifício, observamos com mais clareza ainda. Não precisamos ir tão longe, e citar aqui os pagamentos de promessa aos santos diversos. Acender uma vela em homenagem ao mesmo já denota o sacrifício. Sacrifico algo, dou, para receber em troca. Ou então estou sacrificando para retribuir o que acredito ter recebido. No exemplo da vela, sacrifico o material da mesma, a parafina, os palitos de fósforo utilizados para acendê-la...

- O sistema das dádivas é, em suma, demasiadamente extenso. Pode ser analisado sob diversas óticas, e a proposta de trabalho da Unidade deixou isso claro. As regras de generosidade que o regem podem ser encontradas em várias das sociedades "primitivas" ou "arcaicas" estudadas.. E ainda podem ser encontradas em nossa sociedade atual. A divisão, ou melhor, o compartilhamento de gestos de carinho e afeição nas relações de amizade o demonstra bem. Há dádiva quando não há interesse no "uso" da pessoa. Quando o ser humano deixa de ser visto pelo outro como peça de impulsão para que ele alcance algo. Quando o gesto de generosidade alimenta-se em si, e traz como retribuição as relações de carinho mútuo tão procuradas...


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974

Sugestão de leitura 05
DAVIS, Natalie Zemon. The Gift in Sixteenth-Century France. Winsconsin: UW Press. 2000


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