segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Resumo da Aula 8: "Ensaio sobre a dádiva - sessão II" (28/08)

- Com a proposta de dissecar a Introdução e o Capítulo 1 de O Ensaio sobre a Dádiva, nos foi sugerida a dinâmica de escolha de palavras-chave. As palavras selecionadas poderiam ser conceitos ou não. O conceito poderia ser definido como uma formulação, ou organização, de uma ideia através de palavras. Todo conceito é, assim, uma palavra-chave. Começando com a Introdução, a aluna Ana Luisa Duarte escolheu "fenômeno social total". Ora, analisando o próprio termo, chega-se a algumas inferências. Para que um fenômeno social seja total, ele deve abarcar todos os aspectos da sociedade. Tivemos há pouco um exemplo claro de fenômeno assim: a Copa do Mundo. Trata-se de um evento que envolve todos os níveis sociais. Não é simplesmente esportivo, futebolístico. Com a Copa, levantaram-se questões de cunho político e econômico, por exemplo. Além do impacto cultural, difícil não enxergar os abalos diversos de natureza social. Não nos esqueçamos de que até regras de comportamento "universais" foram impostas nos estádios. A Copa é assim um exemplo claro desse fenômeno total. Mas o que isso tem a ver com a obra de Marcel Mauss? Para explicar, faremos a ligação com a palavra escolhida pelo Ian Barbosa, "prestações totais". São essas as trocas - sob a lógica da dádiva - que envolvem todos os níveis da sociedade. Um sistema de prestações totais indica uma relação de troca entre dois grupos aliados presente em diversos níveis sociais. Essa troca pode ser entre mulheres, formando alianças através do casamento. Da mesma forma que poderia se dar entre guerreiros (nível militar) ou até entre líderes (nível político).

- A palavra escolhida por Felipe Besada, "potlach", demonstra um outro tipo de prestações totais. São aquelas de tipo agonístico. "Agon" vem do grego, e traz em sim uma ideia de competição, desafio, disputa. Importante ressaltar que não há necessariamente uma natureza violenta nessa disputa. O objetivo é vencer, ser melhor, e não derrotar, destruir o adversário. Esse tipo de relação se dava entre dois grupos através de uma pessoa moral, um líder, que representa os seus. Esses líderes competiam entre si à base da dádiva. Realizavam trocas diversas na intenção de demonstrar poder, superioridade. As trocas se tornavam assim uma verdadeira disputa, mesmo que fossem sobre quem presenteia melhor. Esse é o potlach.

- Quanto ao Capítulo 1, válido mencionar a seleção do Pablo e da Pâmela. O primeiro ressaltou a ideia de "hau", importantíssima para o entendimento da obra. Para entender, pensemos em uma situação clara. Alguém que amo ou tenho grande afeição falece e me deixa um objeto seu como presente, ou herança. Não importa qual seja aquele objeto, ou quão comum ele seja. Para mim, terá valor inestimável, superior a qualquer outro que lhe seja parecido. Mesmo que seja uma simples caneta velha, de baixo custo comercial. Aquele presente carrega em si uma memória, um significado, uma essência enfim. Isso seria o "hau". Essa capacidade de carregar ou simbolizar alguém através de um presente. Nas sociedades "primitivas", Mauss observa o "hau" como parte da obrigação de retribuir. Tudo que é dado, sob a lógica da dádiva, carrega em si parte da pessoa que deu. Caso não retribuído o gesto, fica-se amaldiçoado, uma vez que retendo parte do espírito do doador. Curioso perceber como o autor se utiliza dessa explicação nativa para ir além. Demonstra que o importante não é simplesmente entender esse aspecto místico da justificação. Faz-se preciso ir além, e entender que a base das relações humanas aí se encontra, nessa obrigação "moral" de retribuir o ato de generosidade.

- Pois finalizamos com "vínculo de almas", escolhida pela Pâmela. Entendendo o conceito de "hau", percebe-se com facilidade como esse termo se encaixa. Quando há a troca sob a dádiva, firma-se um contrato, um vínculo entre almas. Importante esclarecer alguns aspectos. O autor demonstra a diferença entre o que seriam as chamadas sociedades "primitivas", "arcaicas" e as atuais, que chamaremos de "capitalistas". Nas "primitivas" não há separação entre coisas e pessoas. Estão interligados diretamente, e com o "hau" um objeto quase que se torna um indivíduo de fato. Nas "arcaicas", caracterizadas pela presença da moeda, ainda há relação entre pessoas e coisas. Em Atenas, por exemplo, somente cidadãos da pólis poderiam comprar alguns pedaços de terra. Já as sociedades "capitalistas" caracterizam-se por uma separação total de pessoas e coisas. O que importa é o dinheiro, a moeda. Se o possui, irá adquirir o que deseja. A troca sob a lógica da dádiva, nas sociedades "primitivas", constrói assim um vínculo de almas. Pressupõe a formação desse vínculo para acontecer. Importante concluir, no entanto, que essas relações de troca não se opõem necessariamente às do tipo comercial. Interpenetram-se com frequência, de modo que ainda temos condições de observar exemplos contemporâneos da mesma. Como já dito aqui, um mero papel de bala pode ter imenso significado para um casal, e ser presente de grande valia sentimental. Basta que carregue em si a memória de um momento feliz...

- Importante adendo: para que haja vínculo de almas, é necessário que o significado dos presentes seja culturalmente análogo. Logo, não há vínculo de almas nas primeiras trocas entre indígenas e europeus, por favor...


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

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