- Os trabalhos se iniciaram com um breve retorno à análise do título da obra. Já compreendemos em outra ocasião as razões do termo Ensaio. Mas o que podemos compreender como Dádiva? O conceito carrega em sim três forças interdependentes, estágios intrínsecos à lógica. Para que haja "dádiva", deve-se observar a entrega, o recebimento e a retribuição. A troca realizada sob essa lógica é sempre carregada de significado, pois a dádiva refere-se ao estabelecimento de um vínculo. Sob esse prisma, compreende-se que o aspecto material não é protagonista nessa relação. Importa a conexão que se estabelece, fundamental para a construção de qualquer sociedade. Impossível não perceber as influências pessoais de Marcel Mauss na análise da questão. O autor escreve esse ensaio quatro anos após o fim da Grande Guerra. Período em que se encontrava sem parceiros, uma vez que muitos de seus companheiros da escola sociológica francesa haviam perecido. Durkheim, seu tio, morrera pouco depois. Assim como no samba, em que diversos compositores tem seus parceiros de confiança com o qual sempre contam, Marcel Mauss também os tinha, e de repente se viu "sozinho".
- Desta forma, Mauss busca o estudo de sociedades que ainda não possuem moeda para construir sua crítica à sociedade em que vive. E em meio a esse estudo, uma questão salta à percepção do observador francês. O que te faz retribuir o presente, a dádiva, o gesto? Foi dado mais um exemplo de Acari, que auxiliou bastante a pensar a questão. Quando um certo professor se oferece para pagar uma rodada de cervejas no bar, a turma comemora mas faz um alerta. Fulaninho de Souza, que lá estava, não tinha o costume de pagar nada pra ninguém, e jamais retribuiria o gesto. O curioso não é a gozação dos amigos, mas sim a reação de Fulaninho. Irritado e preocupado, o rapaz fazia questão de oferecer uma cerveja ao professor toda vez que o via por Acari. Preocupava-se com sua reputação, não poderia ser marcado como ingrato. A retribuição se demonstra, assim, como obrigatória, até os dias atuais. Assim como qualquer troca sob a lógica da dádiva: é tão espontânea quanto obrigatória. Após um questionamento da Alana Ribeiro, a situação tornou-se ainda mais clara. Considerando a obrigatoriedade da lógica, todo presente é um desafio. Não aceitá-lo é uma espécie de "declaração de guerra", da mesma forma que não retribuí-lo. É a recusa no estabelecimento do vínculo de amizade, de generosidade.
- Concluimos assim o equívoco de Lévi-Strauss ao afirmar que Mauss fazia uma "teoria nativa". O autor francês busca nas sociedades ditas "primitivas" os elementos que ainda persistem na sociedade em que ele está inserido. A lógica estaria apenas escondida debaixo de outra que se intentava predominar: a de valorização do capital, do material. A retribuição obrigatória persiste, somente ressignificada. Naquelas sociedades se entende que ao dar algo estou de fato dando parte de mim, de meu "espírito". Não retribuir seria, assim, uma dívida espiritual. Se não o fizer, estou amaldiçoado. "Aqui", a justificação é diferente mas a reação é análoga. Se não retribuo, sofro danos à minha reputação. Serei reconhecido como ingrato, devedor, alguém que não valoriza ou aprecia os gestos de amizade ou carinho. Percebam o quanto a tal "teoria nativa" ressoa assustadoramente nos fracos muros da contemporaneidade...
Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974.
Douglas Coutinho - Cook Multimídia
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