quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Resumo da Aula 9: "Ensaio sobre a dádiva - sessão III" (02/09)

- Após um breve rearranjo de nosso calendário, retomamos a discussão em relação ao Ensaio. Como visto na última aula, há uma quantidade enorme de conteúdo a ser abordado. Embora tenhamos debatido diversos conceitos importantes, ainda se fazia necessário retornar à Introdução e ao Capítulo 1. Devemos ressaltar que Marcel Mauss realiza em sua obra uma investigação minuciosa sobre a noção de contrato em uma lógica "pré-capitalista". Quer dizer: um estudo sobre a natureza das relações firmadas, dos acordos pessoais, fora dos interesses meramente financeiros. Determina então um duplo objetivo a ser alcançado, uma "dupla meta". Primeiramente realizar um trabalho descritivo para chegar a "conclusões arqueológicas" sobre o tema estudado. Executa assim quase que um trabalho de História do Direito. Bom, pelo menos um "ensaio" referente ao tema... E com isso, encontramos o segundo objetivo, esse o mais importante. Deseja demonstrar, através de suas conclusões, a permanência da lógica da dádiva nas sociedades atuais. O autor realiza, orquestradamente, um movimento metodológico nesse sentido. Recua no tempo, ou desloca-se no espaço, para buscar nas sociedades "primitivas" seus pontos de sustentação. Qual seria a rocha sob a qual estariam erigidas tais sociedades? O que as mantinha em pleno funcionamento? Segundo o francês, a resposta reside nas relações humanas firmadas e baseadas na generosidade. Na troca, na dádiva...

- Como já estabelecemos que o objetivo de Mauss era estudar as sociedades contemporâneas, qual seria então o problema das mesmas? Onde estaria a razão de tantas guerras, desigualdades e tormentos? O problema, na ótica do autor, estava na falta de reconhecimento do ser humano. Na falta de dádiva, por assim dizer. A crise reside em achar que se vive pondo a mercadoria no centro de importância. O que importa é o ser humano, são as relações humanas. Poderíamos dizer, inclusive, que "rocha humana" seria um belo conceito-chave... Não seria Marcel Mauss um evolucionista, utilizando termos como "primitivos(as)" em seu trabalho? É óbvio que ele possui influências claras, especialmente considerando a época em que escrevia. Entretanto, há uma diferença evidente. Os autores evolucionistas reuniam dados etnográficos produzidos por qualquer um, desde que pudessem adequá-los a seus conceitos de "barbárie", "selvageria"... Mauss nunca misturou dados. Estudava uma sociedade por vez, revelando especificidades e permanências. É o método da comparação precisa. O autor estuda o sistema social. Os elementos não são assim comparados de forma solta, isolada. São interpretados como parte de um sistema maior. Um exemplo para estudar um sistema social com seriedade e um mínimo de eficiência o próprio antropólogo realiza. Busca acessar as consciências, através do estudo da língua. Intenta compreender assim as significações, as interpretações desse sistema social.

- A importância desse método de estudo do sistema demonstra-se em uma análise bastante atual. Referimo-nos ao pensamento de alguns religiosos em sua cruzada contra a homossexualidade. A prática homossexual atinge um fundamento do sistema de pensamentos atrelados à sua crença, sua religião. Pelo menos é assim que ele o pensa. E quando se atinge uma parte integrante, fundamental de um sistema, abala-o inteiro, enfraquece-o nas bases. A resposta reacionária é a violência, física ou simbólica. Busca-se defender a qualquer custo aquela estrutura já construída, para evitar seu desmoronamento completo. Após essa reflexão, concluimos o estudo do dia pensando a importância da retribuição na relação feita sob a dádiva. É a retribuição que "fecha" o sistema, o contrato estabelecido no ato de dar. É ela a responsável por diferenciar esse tipo de troca de um simples escambo. É ela quem cristaliza o estabelecimento do vínculo pessoal. Como o exemplo do traficante que em épocas especiais distribuía dinheiro e presentes aos moradores da favela em que "labutava". Havia ali a retribuição pelo uso do território, pela perturbação da paz. Utilizando a etnografia de Malinowski (Sugestão de leitura 04), Mauss aplica a teoria, algo que o polonês não tinha. A atualidade da mesma demonstra-se, a cada estudo, de forma salutar.


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974

Sugestão de leitura 04
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Editora Abril. Coleção Os Pensadores. 1978.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

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