- Encerrando os estudos do Ensaio sobre a Dádiva, mergulhamos finalmente na Conclusão da obra. A primeira observação pertinente é que Marcel Mauss não estabelece apenas uma, mas várias conclusões. A primeira é a "moral". Há aqui mais uma vez a lembrança do autor da proposta de estudo de seu próprio mundo. Estuda a si mesmo a partir da recuperação de uma lógica, na opinião do autor, ainda presente nas sociedades contemporâneas. Importante relembrar a participação social ativa do francês em busca da transformação da realidade. Chegou a lutar na Grande Guerra quando tinha 40 anos, idade avançada para a batalha. Demonstra ainda, uma vez mais, o equilíbrio de sua teoria. Teoria elaborada a partir de pesquisas extensas, consultas a etnografias e, claro, observação da sociedade ao seu redor. Preocupa-se em evidenciar sempre que seu trabalho é um mero esboço, "ensaio", que não pretende encerrar conclusões pétreas acerca da realidade. Porém, ao mesmo tempo, expondo conclusões bem fundamentadas em uma teoria demasiadamente convincente.
- Conceito aqui já abordado e relembrado por Mauss em suas conclusões é o de "atmosfera de dádiva". Como já discutimos, para que a dádiva ocorra deve haver uma espécie de "clima" propício para tal. Clima esse que é ao mesmo tempo impulsionado por ela. Pois de acordo com o autor, a atmosfera de dádiva ainda se encontra presente nas sociedades contemporâneas. É por isso que se faz necessário resgatar a lógica. É por isso que a ideia lhe parece possível, não distante ou sonhadora. Para exemplificar, Mauss argumenta que a previdência social seria uma espécie de "socialismo do estado". Seria uma espécie de auxílio e proteção dados pelo Estado aos seus cidadãos já "incapacitados" para o trabalho. Obviamente que o francês não ignora que essa dádiva foi reivindicada pelos movimentos sociais. Que se trata de uma conquista, e não de um presente generoso e altruísta. Porém ele enxerga, além das especificidades características, a permanência da lógica da dádiva. A previdência social seria uma retribuição dos serviços oferecidos, não um simples pagamento seguindo somente a lógica do capital. Não seria idealizar a previdência, no entanto? Não precisamos ainda contribuir, para não sofrer até sanções legais? Sim, mas essas questões práticas demandam resposta análoga. De onde viria o dinheiro do auxílio se não houvesse a contribuição? A questão proposta por Marcel Mauss é a de destaque da lógica, em um sentido geral. Não se trata de enxergar a previdência como uma ação de caridade generosa em suas especificidades. A administração e a legislação da mesma são outra coisa. O importante para Mauss é compreender a lógica de dádiva residente em sua concepção, em sua ideia "original".
- Falando de caridade, levantamos assunto importante. É fácil perceber o quanto a dádiva não retribuída ainda inferioriza aquele que a aceitou. Se o ato de caridade, por exemplo, não envolver uma espécie de sistema de retribuição, o donatário irá sentir-se inferior, "submetido" moralmente. E não é só nesse exemplo que o autor aponta a permanência da lógica. Ela se faz presente também na resistência que ainda se tem ao trabalho do comerciante. Para sobreviver na lógica capitalista, ele necessita obter lucro. Isso implica vender suas mercadorias sempre em um preço mais alto em relação ao que pagou. Se estivéssemos completamente imersos na lógica capitalista, esse pensamento seria perfeitamente normal, aceitável. No entanto, Mauss observa que ainda há um certo estranhamento à tal prática, de tal forma que se o consumidor descobrir o preço "original" do produto, enfurece-se com o mercador. Sente-se enganado.
- Assim, Marcel Mauss propõe que regressemos aos costumes da "despesa nobre". Sempre que havia alguma festa ou evento público em Atenas, os mais ricos eram obrigados a arcar com os custos. Caso algum deles recusasse, e alguém denunciasse, todas as posses do rico em questão iriam para o denunciante. A "moral" do ato era simples. Como você enriqueceu? Não foi utilizando os recursos da sociedade em que vive? Pois então, nada mais justo do que retribuir essa dádiva. Não se enganem, trata-se aqui de muito mais do que um "ódio de classe". Trata-se de receber algo e ter a grandeza de retribuí-lo. Mauss denuncia assim, ainda uma vez mais, a lógica capitalista. Da mesma forma que denuncia os ideais comunistas. De acordo com ele, generosidade excessiva do Estado sem o trabalho do indivíduo também não serviria. Haveria a tal da inferiorização do cidadão, que seria assim submetido, subjugado com facilidade. É preciso encontrar o meio-termo.
- Marcel Mauss propõe assim uma verdadeira religião da humanidade. Não se preocupa em apenas descrever a dádiva, mas sim demonstrar seus resultados, imediatos ou não. Pede que a sociedade adote o princípio moral da dádiva-troca. Sair de si. Dar, livre e obrigatoriamente. Suas noções, reforçamos, tem uso livre, como o próprio autor ressaltou. Nada de definições frias. A definição intenta matar as contradições. A diferença de Mauss? Ele assume que essas contradições possam existir. Afinal, o estudo não é sobre seres humanos?...
Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974
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