- Demos início à Unidade I de nosso programa debatendo um pouco sobre a vida de Marcel Mauss, contextualizando sua obra. A relação entre vida e obra se demonstra óbvia já no título desta:
Ensaio sobre a dádiva. "Ensaio" significa "esboço", algo ainda inacabado, que não tem pretensão de ser ponto final. Como relacionar isso à biografia do autor francês? Sobrinho de Émile Durkheim, Mauss sempre foi bastante diferente de seu tio. Importante lembrar o papel de Durkheim na luta por "espaços" para a Sociologia, na legitimação da mesma enquanto Ciência. Para tal, ele nunca hesitou em bater de frente com as Ciências já consolidadas e reconhecidas. Afronta a Psicologia, por exemplo, ao escrever sobre o suicídio (Sugestão de leitura 02). Demonstra que o fenômeno também possui causas
sociológicas, como questões políticas ou mesmo climáticas. Durkheim era, em suma, reconhecido por essa seriedade severa, disciplinada. Mauss era o oposto. Gostava de experimentar, observar, sair. Teve que ser trancado pelo próprio tio em um cômodo, para que assim enfim terminasse de escrever sua tese. Esse é o Marcel Mauss do Ensaio, deixando claro no título do trabalho suas percepções de vida. É "ensaio" pois não se pretende ser a autoridade maior e final do assunto. Compreende a complexidade das relações humanas, e as variadas possibilidades de observação das mesmas.

- Mas e quanto à "dádiva", o que seria? Sinônimo de "presente"? Na verdade, é bem mais. Estudando sociedades consideradas "primitivas", atrasadas, o autor oferece importante teoria. Observa que as relações sociais daqueles grupos são regidos por uma lógica de troca. Não se trata do presente, ou objeto material a ser trocado. A base desse verdadeiro sistema de estabelecimento de vínculos reside no significado da ação, na intenção. Não se trocam apenas objetos, ou alimentos. O que se troca é respeito, amizade, amor, carinho... Assim como no Dia dos Namorados observamos a obrigação ritual da troca de presentes. Não se trata do custo financeiro arraigado ao gesto, e sim dos significados atrelados ao mesmo. Um papel de bombom pode ter um valor absurdo, se representa a valorização de um momento, de uma memória. Observamos aqui também um pouco do objetivo político de Mauss ao escrever o
Ensaio. Ele quer demonstrar a importância das relações firmadas na
generosidade. Acima da valorização da mercadoria, da transformação do ser humano em cifra. A solução dos problemas sociais não adviria dos vícios do fetiche do capital. Mas também não seria com o fim absoluto do mercado e das relações de troca, com a submissão do povo a um governo qualquer. Nesse aspecto, as ditas sociedades primitivas eram bastante superiores ao mundo civilizado.

- Estudando as relações de troca, Mauss evidencia assim que a maior mentira que existe no mundo é a ideia de "indivíduo". O indivíduo só existe graças a uma criação coletiva, interdependente. Como se comunicaria de forma eficiente sem os auspícios da linguagem, por exemplo? Relembramos um pouco de Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês. Assim como Mauss, o autor demonstra a importância de outras relações que não as materiais com seu "tabu do incesto". Basicamente, a sociedade só existiria graças à esse tabu, que motivou a comunicação entre grupos distintos. Para não procriar com suas parentes, os homens trocavam suas mulheres com os de outro grupo, aprendendo e trocando experiências no processo. Assim a sociedade teria nascido e progredido. Mauss compreende também que a base do estabelecimento de uma sociedade reside nas relações recíprocas entre seus membros. A lógica da troca nada mais é do que a rocha das sociedades humanas. De tal forma que o autor procura demonstrar que nenhum ser humano consegue viver sem isso. Para aqueles que pretendem fazê-lo, com todo o respeito, que vivam entre objetos
na tonga da mironga do kabuletê.
Sugestão de leitura 02
DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo de Sociologia. São Paulo, Editora WMF, 2011.
Douglas Coutinho - Cook Multimídia
Fotos: Barbara Celi - Cook Multimídia
Matheus Viug - Cook Multimídia
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