terça-feira, 18 de novembro de 2014

Resumo da Aula 23: "Sahlins, leitura 2" (04/11)

- O Capítulo 4 de Ilhas de História inicia-se relembrando os detalhes da chegada do Capitão Cook ao Hawai'i. "Fôra a recepção mais calorosa e entusiasmada conferida a qualquer viagem de descobrimento neste oceano". Oferendas, cânticos e uma quantidade absurdamente alta de havaianos empolgados e curiosos deram a tônica da ocasião. Um sacerdote leva Cook pela mão até o templo de Hikiau, No caminho, indivíduos prostrando-se ao chão ao ouvirem os gritos de "Ó, Lono!" entoados pelo arauto. Como bem sabemos, Lono era o deus associado à reprodução humana e ao incremento natural, que retorna anualmente à ilha. É também ele o rei antigo, em busca de sua noiva sagrada. A pequena descrição aqui recordada exemplifica o que seria uma metáfora histórica de uma realidade mítica. De um lado o aspecto histórico, o "fato", qual seja a chegada de Cook à ilha. De outro a realidade daquela cultura local, a interpretação desse fato: a volta de Lono. De um lado, o mito havaiano. Do outro, o folclore britânico. Sim, não se assustem com a expressão! Afinal, o Capitão Cook não acreditava que todas aquelas oferendas vinham do "rei", e que a ele deveriam ser retribuídas? Eis aí as marcas de sua própria ordem cultural: a busca por um rei, aos moldes dos exemplos europeus, aqui especialmente o britânico. O que James Cook não imaginava é que naquela cultura Lono era rival mitológico do chefe, do "rei". Quem organizava os festejos e se encarregava das oferendas? Os sacerdotes do templo de Lono, seus verdadeiros "aliados".

- Tal embate se tornará inevitável um pouco mais tarde. Quando Cook percebe que uma das pequenas embarcações adjacentes havia sido roubada, decide retaliar. Sequestra então um dos chefes, o rei Kalaniopu'u, para realizar a justa troca. O ato fôra interpretado pelos havaianos de acordo com seu sistema cultural: tratava-se de episódio marcante da rivalidade cósmica entre Lono e os chefes. Lono iria matá-lo, para assim inverter a ordem cosmológica. O resultado? Cook passa de objeto de adoração a objeto de hostilidade. Será eventualmente assassinado. De beneficiário de sacrifícios a vítima sacrificial. Houve no exemplo citado uma crise estrutural, isto é, quanto todas as relações sociais começam a mudar seus signos.

- O evento deve ser percebido então tanto como ação individual quanto representação coletiva. De um lado a contingência histórica, e as particularidades da ação individual. Do outro, as dimensões recorrentes do evento, onde reconhecemos uma certa ordem cultural. Só compreendemos o que de fato ocorreu, entendendo o significado das ações. Este significado é dado pela ordem cultural. Qualquer acontecimento somente se torna histórico quando é significativo. Uma vez que o significado é dado pela ordem cultural, só existe História com a participação da Antropologia. O que queremos dizer em relação às particularidades? Utilizemos o exemplo histórico. Aspectos individuais da personalidade de Cook só importam nesse caso se influenciam a sua representação enquanto indivíduo lógico. Ou seja, dependem de como ele estava inserido naquela determinada ordem cultural. Se ele tinha parasitas no intestino e por isso estava mal-humorado pouco importa. Importa se seu mau-humor levou-o ao ato de sequestro do chefe, o que teve impacto profundo em sua representação na ordem cultural havaiana. Mas é válido pensar que todos os havaianos acreditassem que Cook era mesmo Lono, o deus retornante? Impossível dizer, mas é fato que todos comportaram-se como se ele o fosse.


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 4: Capitão James Cook; ou o Deus Agonizante". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 140-171


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Resumo da Aula 22: "Sahlins, leitura 1 - continuação" (30/10)

- Demos prosseguimento ao nosso estudo de Ilhas de História, buscando mergulhar com mais profundidade no texto. Como em todo texto teórico, faz-se importante investigar os conceitos utilizados e as questões suscitadas. E nesse primeiro capítulo de sua obra evidencia-se um objetivo um tanto quanto implícito. Sahlins busca, de fato, colocar em xeque todas as Ciências Sociais, ou melhor, seus modelos de explicação do desenvolvimento da sociedade (entenderemos melhor no decorrer do resumo, estudando as "estruturas performativas"). Trata-se, enfim, de um capítulo bastante "transgressor". O autor se utiliza da teoria marxista, por exemplo, deslocando-a e adaptando diversos de seus conceitos. É dessa forma que o antropólogo expõe o "amor" como infra-estrutura da sociedade havaiana, uma das formas de dominação social. O "amor" do povo para com seu chefe seria a consciência de sua própria servidão, e a justificação para sua lealdade em relação ao mesmo. Outro exemplo breve de suas transgressões no capítulo percebe-se na descrição debochada que o autor faz da noção de propriedade privada. A ideia de propriedade só existe pois nela acreditamos. Torna-se "sagrado" o seu direito, para citar o autor, uma vez que já internalizado em nosso habitus (conceito utilizado por Pierre Bourdieu, principalmente).

- Ainda dentro do tema das transgressões teóricas de Marshall Sahlins, realizamos um exercício de identificação de diversos outros conceitos em sua obra. Há, por exemplo, a presença da dádiva de Marcel Mauss, estudado em nossa primeira Unidade. Sim, pois quando os maridos havaianos depositavam os cordões umbilicais dos recém-nascidos nos conveses dos navios, havia ali a retribuição à dádiva da semente divina. Semente essa "plantada" nos ventres de suas esposas. A própria palavra le'a, que significaria algo próximo à "paixão", pressupõe uma satisfação mútua, uma troca, vejam só. E Sahlins não para em Mauss. O estruturalismo de Lévi-Strauss também se encontra presente de forma constante, como observado no uso da palavra "estrutura" ao referir-se às culturas. Pois retomando o termo le'a, perceberemos que outro significado possível seria "louvar a deus". Era exatamente isso que as havaianas faziam através do sexo com os marujos de Cook. Sua paixão estava intrinsecamente conectada à louvação divina. Eis aí mais uma vez o valor religioso e social do sexo. Aliás, tais inferências não seriam em si um belo exemplo da descrição densa trazida por Clifford Geertz? Sem mencionar que aqui se torna mais clara a ideia do "amor" enquanto infra-estrutura, que mencionamos no primeiro tópico. Marshall Sahlins demonstra aqui a perspectiva de análise de aspectos culturais fora da chamada "superestrutura". Uma vez que têm valor político, social, não poderiam ser vistos como dependentes de outros fatores, como o econômico.

- Marshall Sahlins propõe então que possamos pensar uma sociedade sem modelos fixos. Ao invés de estruturas fixas, uma estrutura performativa, que forma relações a partir de práticas. Sim, percebemos nesse estudo da sociedade havaiana um perfeito exemplar de tal máxima. Utilizemos como ilustração a maneira pela qual são vistos os chamados filhos "biológicos" e "adotivos". No Havaí, nutrir e adotar possuem o mesmo significado. É pai aquele que alimenta, que dá substância. Aqui neste caso as origens são de cunho religioso mesmo. Uma vez que me alimento de sua substância, me torno parte de você. Não há diferenciação em relação a quem nasceu do ventre de quem. Pai é quem nutre, alimenta, e ponto final. A relação de parentesco é aqui então determinada por uma determinada ação, e não o contrário. Nós também somos exemplos vivos dessas estruturas. Embora o título de professor garanta a prática da profissão, serão as ações do mesmo em sala de aula que determinarão a forma como o alunado o enxergará. Na prática, em nossa sociedade também, são as ações que determinam as relações. Curioso refletir sobre a amizade. Fazemos tudo por nossos amigos pois sedimentamos a relação através de seu reconhecimento mútuo? Ou nos reconhecemos como tais graças à ações anteriores e presentes que comprovem o sentimento da amizade? O que viria primeiro, na prática, a relação sedimentada guiando as ações posteriores de acordo com ela? Ou não seriam as ações em questão as responsáveis pela sedimentação da relação em questão? Parece-nos que as segundas opções apresentadas refletem melhor a realidade.

- Em conclusão, amarramos os conceitos de estruturas performativas e amor enquanto infra-estrutura em uma relação bastante óbvia. A estrutura da sociedade havaiana era altamente performativa pois a sociedade em questão era baseada no amor. O sexo detinha importância cosmológica. O universo era, enfim, uma genealogia. Foi a reprodução sexual dos deuses que originou o mundo. Não havia modelo fixo de família nesse Havaí. Tais modelos eram extremamente mutáveis. Tão mutáveis quanto essa estrutura, que muda exatamente porque admite a possibilidade de que suas categorias culturais sejam funcionalmente reavaliadas. Mas isso já é assunto pro próximo resumo...


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 1: Suplemento à viagem de Cook: ou 'le calcul sauvage'". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 23-59


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Resumo da Aula 21: "Sahlins, Leitura 1" (23/10)

- Para dar início à nova Unidade estudamos um pouco sobre nosso autor, Marshall Sahlins. Personificação da figura do velho "hippie" - ou do "hippie" velho, porque não?... -, o americano começou suas pesquisas sob uma perspectiva materialista. Após estudar bastante o trabalho de Claude Lévi-Strauss e repensar o conceito de "estruturalismo" do francês, o antropólogo passa a dar mais atenção ao simbólico. Propõe uma "ponte" entre o cultural e o econômico, ao argumentar por exemplo que os próprios sistemas econômicos eram culturalmente construídos e ordenados (Leia mais). Marshall Sahlins foi, enfim, talvez o autor que mais pensou a relação entre a História e Antropologia. Há de fato a tal separação entre a diacronia e sincronia como características intrínsecas de cada uma? É válido estudar a "estrutura" e o "evento" separadamente?

- No Capítulo 1 de seu Ilhas de História, Sahlins tira um verdadeiro sarro. Pega o tema do "amor livre" (Olha o "hippie" aí!) para trabalhar o duplo bloqueio: da Antropologia em pensar a mudança; e da História em pensar a cultura. Explicamos melhor: quando nos referimos ao amor livre, estamos fazendo referência à abordagem do autor em seu estudo da sociedade havaiana. Ele irá demonstrar, de forma bastante bem humorada, a importância do sexo na cultura em questão. Curioso perceber a reação "puritana" dos ingleses, devidamente debochada pelo autor. Há uma relação clara entre poder e sexo nas ilhas do Hawai'i. Para os nativos, o sexo era tudo, e Sahlins é brilhante ao argumentar através do estudo etimológico. Quando as mulheres corriam em direção às embarcações britânicas e pulavam em seus conveses, tudo o que elas faziam era buscar poder para si mesmas e seus grupos familiares. O sexo era apenas o meio de obtê-lo. Forçoso reconhecer a eficácia de tal tática. Como James Cook, o desbravador inglês, fôra tomado como o deus Lono (Estudaremos melhor nas aulas seguintes), carregar em seu ventre a semente de um de seus "emissários" era a garantia da ascensão social. Pois carregariam em si a semente divina, parte do deus.

- A chegada do capitão Cook à ilha é a demonstração clara do "embate" de duas culturas (ou estruturas, sistemas...): a havaiana e a inglesa. A chegada dele é justamente o evento que marca o encontro dessas duas estruturas. Percebam a intenção do autor. A Antropologia dedica-se ao estudo das estruturas/culturas. A História, por sua vez, dos eventos e suas consequências. Eis a união. Nós analisamos os acontecimentos/eventos de acordo com nossas categorias estruturais/culturais. A palavra "hipopótamo" é um belo exemplo. Significa "cavalo do rio" em grego. O animal não se parece nem um pouco comum cavalo, mas essa foi a analogia feita pelos primeiros observadores. Utilizaram-se de suas categorias culturais para descrevê-lo: conheciam o cavalo, e jamais tinha visto aquele animal estranho que vivia nos rios. Mas e quando o evento ultrapassa as categorias culturais, não se encaixa nelas de forma alguma? A perspectiva do sexo analisada brevemente no tópico anterior volta à baila. Para elas um encontro com o deus. Deus esse que deu à vida copulando com mulheres. A busca era da semente divina, e obviamente dos resultados sociais advindos do fato de carregá-la em seu ventre. Para os ingleses, exemplo de falta de pudor e prostituição. Sim, pois os marujos recompensavam as belas moças com presentes diversos após a relação sexual. Elas não pediam, mas também não recusavam. Afinal de contas, recusa-se um presente divino?...

- Eis aí o desastre cultural. Nenhum dos lados compreendia exatamente o que acontecia, pois baseados em suas interpretações próprias, parciais. Tal contato levou então à mudanças nas estruturas. A hierarquia social havaiana, que possuía origem cósmica, foi abalada. Havia uma separação entre deuses e homens, tal qual entre nobres e "povo", homem e mulher. Pois as mulheres aventureiras nas embarcações não só copulavam com os deuses estrangeiros, como também comiam à mesa junto deles. Um verdadeiro escândalo, a quebra de um tabu. Essa quebra de tabu também teve consequência impactante. Os "filhos de Lono" demonstraram-se impuros. A estrutura/cultura havaiana sofreu grande impacto, e teve que modificar-se. A estrutura tenta reproduzir-se, ressignificando, interpretando os eventos a partir da aplicação de suas próprias categorias culturais. Mas o elemento externo à ela, como aqui, nem sempre se comporta da forma esperada. Nem sempre se encaixa nessas tais categorias culturais, uma vez que oriundo de estrutura diferente. Percebemos, então, que as estruturas se transformam, ao tentar se repetir. Eis a ligação entre evento e estrutura demonstrada. Ligação entre História e Antropologia, enfim.

- O curso da História foi orquestrado pela lógica da cultura. E a lógica cultural é modificada ao sabor da História. Marshall Sahlins demonstra dessa forma as estruturas como "performativas". Trata-se de um modelo dialético. Opõe-se aos modelos "mecânicos" da Antropologia. Esses tais atentam apenas à estrutura, como sendo algo fixo. Estabelecem a cultura/estrutura como causa, sem assumir a ação do ser talvez a modificando, ao invés de somente suas tendências seguir. A lógica cultural foi construída historicamente, e assim também reconstrói-se. Tanto quanto os eventos históricos são influenciados pelas características culturais. Como dissemos, o estudo é dialético. Seguiremos com o mesmo ao decorrer da terceira e última Unidade, que apenas inicia-se por aqui.


Referências Bibliográficas
SAHLINS, Marshall. "Capítulo 1: Suplemento à viagem de Cook: ou 'le calcul sauvage'". In: Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. pp. 23-59


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terça-feira, 7 de outubro de 2014

Resumo da Aula 14: "Geertz, leitura 1" (18/09)

- Os estudos da Unidade II foram iniciados com uma breve explanação da biografia de nosso autor estudado, Clifford Geertz. Nascido em San Francisco, na Califórnia, o antropólogo fôra abandonado pelos pais divorciados ainda criança. Sendo criado por parentes distantes desde os três anos de idade, ele virou-se como pôde. Serviu pela Marinha voluntariamente na Segunda Guerra. Graças aos incentivos da GI Bill, lei que previa diversos benefícios aos ex-combatentes, Geertz investiu em seus estudos. Inicialmente cursou Literatura Inglesa, intentando tornar-se escritor, mas formou-se em Filosofia. É notável, no entanto, as influências de sua paixão pela Literatura em sua teoria acerca da cultura. Abordaremos melhor tal questão ao longo de nossos estudos. Retomando a explanação biográfica, ressaltamos seu doutoramento em Antropologia, em Harvard. A universidade foi tudo pra ele. Em Harvard, por exemplo, foi onde conheceu sua futura esposa. E toda a sua carreira acadêmica foi nada mais do que brilhante. Geertz foi o primeiro antropólogo a entrar no Instituto de Estudos Avançados de Princeton. E foi em Princeton que lecionou ao lado de Robert Darnton, autor que será bastante discutido ao longo dessa segunda unidade.

- Clifford Geertz caracteriza-se por possuir uma escrita incrivelmente bem "amarrada". Demonstra as influências literárias em seu texto, impregnado de exemplos e imagens. Normalmente, no entanto, o autor só diz a que veio, só revela sua teoria, no final. Outra característica marcante de Geertz: o autor não trabalha com sistemas. Segundo o autor, quanto mais rica a análise, mais profunda, menos "definida" ela será. Obviamente ele trabalha com conceitos. Para o nosso estudo, faz-se mister entender um deles em especial: "descrição densa". Descrição densa é interpretação. O exemplo da piscadela se faz bastante útil. Uma descrição mínima e superficial do ato de piscar resume-se em apontar o movimento. A descrição densa reside em tentar desvendar as intenções. Foi apenas um piscar, ou o ato significou mais? Talvez uma demonstração de intimidade, o reconhecimento de alguma brincadeira entre dois amigos, uma imitação ou deboche de alguém que tenha um tique nervoso... As possibilidades de interpretação são enormes. A descrição densa é essa interpretação mais profunda, que vai além da simplicidade de um gesto para buscar sua significação. Entenderemos um pouco melhor o tema ao estudar suas análises da briga de galos em Bali. É uma simples diversão "primitiva", ou teria significado de impacto naquela sociedade, na maneira que ela se vê? Aguardemos os próximos resumos...

- O conceito fundamental na obra que estudaremos (ver Referências Bibliográficas) é o de "cultura". A interpretação é o método de análise, como já explicitamos. A cultura é vista por Geertz como uma "grande ideia", trabalhada por muitos campos de saber. O autor parte de Weber para demonstrar que o homem só vive em sociedade graças a um conjunto, ou teia de significados criados por ele próprio. O trabalho do antropólogo é etnografar, ou seja, buscar a interpretação desses significados. O objetivo? Compreender a linguagem do "discurso social". Jamais será alcançado o êxito total, segundo o autor, porém a apresentação dos dados possibilitará um entendimento maior dessas outras "significações". Não é possível tornar-se o nativo, mas é possível familiarizar sua teia de significações ao máximo. Aliás, essa visão de cultura de Geertz é a razão de suas discordâncias vitais em relação ao estruturalismo de Claude Lévi-Strauss. Um pouco acima comentamos que Geertz não trabalha com o conceito de "sistema", ao falar de cultura. Pois aqui reside sua crítica. Cultura é algo muito rico, como bem demonstrado em sua ideia de "teias de significado", para ser fechado ou reduzido à sistemas de analogias.



Referências Bibliográficas
GEERTZ, Clifford. "Capítulo 1: Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura". In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Editora Guanabara. pp.13-41



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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Aula 13: Entrega dos trabalhos da Unidade I (16/09)

- Não faremos resumo da Aula 13, pois a mesma foi destinada à entrega dos trabalhos de nossa Unidade I. Como já mencionado, o objetivo do trabalho era aplicar em situações cotidianas quaisquer (à escolha do aluno) os principais conceitos contidos em O Ensaio sobre a Dádiva. Ou pelo menos observar a validade de tais conceitos. Mesmo a crítica, a refutação, implicaria em um conhecimento prévio das principais ideias da obra. Os alunos então, um a um, apresentaram uma prévia do que fizeram à turma, destacando os principais conceitos abordados, a situação ou evento escolhido, enfim, um resumo de seus esforços. De acordo com o professor, essa aula foi, por si só, uma dádiva. Ofertada à Mauss, a ele próprio, aos colegas de turma.

- Retomaremos as atividades com um resumo sobre a aula 14, iniciando nossos estudos sobre Geertz. Até lá!


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Resumo da Aula 12: "Ensaio sobre a dádiva - sessão final" (11/09)

- Encerrando os estudos do Ensaio sobre a Dádiva, mergulhamos finalmente na Conclusão da obra. A primeira observação pertinente é que Marcel Mauss não estabelece apenas uma, mas várias conclusões. A primeira é a "moral". Há aqui mais uma vez a lembrança do autor da proposta de estudo de seu próprio mundo. Estuda a si mesmo a partir da recuperação de uma lógica, na opinião do autor, ainda presente nas sociedades contemporâneas. Importante relembrar a participação social ativa do francês em busca da transformação da realidade. Chegou a lutar na Grande Guerra quando tinha 40 anos, idade avançada para a batalha. Demonstra ainda, uma vez mais, o equilíbrio de sua teoria. Teoria elaborada a partir de pesquisas extensas, consultas a etnografias e, claro, observação da sociedade ao seu redor. Preocupa-se em evidenciar sempre que seu trabalho é um mero esboço, "ensaio", que não pretende encerrar conclusões pétreas acerca da realidade. Porém, ao mesmo tempo, expondo conclusões bem fundamentadas em uma teoria demasiadamente convincente.

- Conceito aqui já abordado e relembrado por Mauss em suas conclusões é o de "atmosfera de dádiva". Como já discutimos, para que a dádiva ocorra deve haver uma espécie de "clima" propício para tal. Clima esse que é ao mesmo tempo impulsionado por ela. Pois de acordo com o autor, a atmosfera de dádiva ainda se encontra presente nas sociedades contemporâneas. É por isso que se faz necessário resgatar a lógica. É por isso que a ideia lhe parece possível, não distante ou sonhadora. Para exemplificar, Mauss argumenta que a previdência social seria uma espécie de "socialismo do estado". Seria uma espécie de auxílio e proteção dados pelo Estado aos seus cidadãos já "incapacitados" para o trabalho. Obviamente que o francês não ignora que essa dádiva foi reivindicada pelos movimentos sociais. Que se trata de uma conquista, e não de um presente generoso e altruísta. Porém ele enxerga, além das especificidades características, a permanência da lógica da dádiva. A previdência social seria uma retribuição dos serviços oferecidos, não um simples pagamento seguindo somente a lógica do capital. Não seria idealizar a previdência, no entanto? Não precisamos ainda contribuir, para não sofrer até sanções legais? Sim, mas essas questões práticas demandam resposta análoga. De onde viria o dinheiro do auxílio se não houvesse a contribuição? A questão proposta por Marcel Mauss é a de destaque da lógica, em um sentido geral. Não se trata de enxergar a previdência como uma ação de caridade generosa em suas especificidades. A administração e a legislação da mesma são outra coisa. O importante para Mauss é compreender a lógica de dádiva residente em sua concepção, em sua ideia "original".

- Falando de caridade, levantamos assunto importante. É fácil perceber o quanto a dádiva não retribuída ainda inferioriza aquele que a aceitou. Se o ato de caridade, por exemplo, não envolver uma espécie de sistema de retribuição, o donatário irá sentir-se inferior, "submetido" moralmente. E não é só nesse exemplo que o autor aponta a permanência da lógica. Ela se faz presente também na resistência que ainda se tem ao trabalho do comerciante. Para sobreviver na lógica capitalista, ele necessita obter lucro. Isso implica vender suas mercadorias sempre em um preço mais alto em relação ao que pagou. Se estivéssemos completamente imersos na lógica capitalista, esse pensamento seria perfeitamente normal, aceitável. No entanto, Mauss observa que ainda há um certo estranhamento à tal prática, de tal forma que se o consumidor descobrir o preço "original" do produto, enfurece-se com o mercador. Sente-se enganado.

- Assim, Marcel Mauss propõe que regressemos aos costumes da "despesa nobre". Sempre que havia alguma festa ou evento público em Atenas, os mais ricos eram obrigados a arcar com os custos. Caso algum deles recusasse, e alguém denunciasse, todas as posses do rico em questão iriam para o denunciante. A "moral" do ato era simples. Como você enriqueceu? Não foi utilizando os recursos da sociedade em que vive? Pois então, nada mais justo do que retribuir essa dádiva. Não se enganem, trata-se aqui de muito mais do que um "ódio de classe". Trata-se de receber algo e ter a grandeza de retribuí-lo. Mauss denuncia assim, ainda uma vez mais, a lógica capitalista. Da mesma forma que denuncia os ideais comunistas. De acordo com ele, generosidade excessiva do Estado sem o trabalho do indivíduo também não serviria. Haveria a tal da inferiorização do cidadão, que seria assim submetido, subjugado com facilidade. É preciso encontrar o meio-termo.

- Marcel Mauss propõe assim uma verdadeira religião da humanidade. Não se preocupa em apenas descrever a dádiva, mas sim demonstrar seus resultados, imediatos ou não. Pede que a sociedade adote o princípio moral da dádiva-troca. Sair de si. Dar, livre e obrigatoriamente. Suas noções, reforçamos, tem uso livre, como o próprio autor ressaltou. Nada de definições frias. A definição intenta matar as contradições. A diferença de Mauss? Ele assume que essas contradições possam existir. Afinal, o estudo não é sobre seres humanos?...


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974


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sábado, 20 de setembro de 2014

Resumo da Aula 11: "Ensaio sobre a dádiva - sessão V" (09/09)

- Conectando-se à fagulha, iniciamos as conversações debatendo A Dominação Masculina, livro do famoso sociólogo Pierre Bourdieu. Explica o autor que a dominação de gênero está tão ancorada em nós que temos dificuldade mesmo em percebê-la. Relações de dominação, estabelecidas no processo histórico, têm essa tendência de interiorizar-se nos indivíduos, que passam a vê-la como algo "natural". Cria-se um "habitus", para utilizar o conceito do autor francês. Conscientizar é válido e preciso, mas seria a solução final para tal problema social? Como Mauss demonstra em sua crítica, devemos nos distanciar dessa lógica que define o ser humano como objeto, mercadoria. As possibilidades de troca, de relação humana sob a lógica da dádiva, encontram-se assim diminuídas, embora ainda resistentes. A violência contra a mulher, seja ela simbólica ou física, tem como uma de suas fontes essa perda do aspecto humano nas sociedades. Os preconceitos de gênero são naturalizados pois observados desde o "berço". O futebol, por exemplo, é imediatamente visto como um esporte para homens. Se uma menina desejar jogar com os amigos na escola, será tratada de forma diferente. Seus próprios colegas resistirão à ideia de aceitá-la na brincadeira, quando não respondendo com violência durante a partida. Sem contar que às meninas não é dada a chance de praticarem o esporte desde cedo. Os meninos aprendem a andar e correr já com o "obstáculo" da bola incorporado ao seu equilíbrio. Se torna assim bem mais dificultoso para as meninas adaptarem-se ao jogo, não acostumadas aos movimentos "naturais" do mesmo. Reproduz-se assim o velho e estúpido lema de que "futebol é coisa de homem"(Sugestão de leitura 06). A mudança deve vir então através do exemplo, na experiência prática. Vai além do conscientizar, uma vez que ultrapassa o mundo das palavras.

- Dentro dessa impessoalidade desalentadora existem bolsões, claro, como bem tentamos demonstrar aqui nestes textos modestos. Mas o que importa na análise é o processo histórico em si, o sistema como um todo. É isso que deve ser questionado. Quando lemos em pesquisas o triste fato de que muitos professores adoecem graças aos estresses de sua profissão, faz-se necessário questionar esse sistema no qual estamos inseridos. É preciso ir além das experiências individuais. Não se pode tomar casos de exceção como refutação à "regra" bem observada.

- Seria Mauss um romântico? A questão deve ser bem explicitada e refletida. Mauss buscava soluções concretas para uma problemática observada nas sociedades a ele contemporâneas. A solução, obviamente, está impregnada de seus ideais políticos, quais sejam, socialistas. Mas será que propor soluções denotaria romantismo? Não seríamos então todos aqueles que não são "neutros", românticos? O francês demonstra, sim, que sem dádiva não há sentido de viver, não há funcionamento social. Deve-se haver o estabelecimento de vínculo de almas, ou então o "fim" seria triste, quando não próximo. Logo, ele sonhava sim em relação à transformação da realidade, isso é fato. Entretanto, ele demonstra um caminho possível. Concorde com ele ou não, isso é livre, porém não há como negar sua pesquisa valiosa. O autor busca exemplos para validar sua teoria, que não é fechada, por sinal. Sem contar que o próprio afirma que nas diversas sociedades coexistem número variado de lógicas diferentes. A grande questão é: qual delas predomina?


Referências Bibliográficas
MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas." 
In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974.


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