sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Resumo da Aula 6, ou a "Resposta ao Dia de Fúria" (21/08)

Moleque atrevido

“Por isso vê lá onde pisa respeite a camisa que a gente suou
Respeite quem pôde chegar aonde a gente chegou
E quando chegar ao terreiro procure primeiro saber quem eu sou
Respeite quem pôde chegar aonde a gente chegou!”

(Jorge Aragão)

Seguindo a regra proposta por você nas redes sociais, chamá-lo-ei de Marcos, que, à moda machadiana, tornou-se não um professor defunto, mas um defunto professor; uma vez que definiu seu próprio corpo, quando presente nesta sala, como um cadáver. Eu não possuo nenhuma vocação para falar com os mortos, no entanto, devido às contingências, abro mão do meu ceticismo e me coloco à sua frente; à maneira como me chamou, no famigerado Facebook, para estar aqui.
Agora, se me permite, irei me apresentar. Meu nome é Ian Barbosa de Sarges, tenho vinte anos, nascido no Méier e criado em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro. Como estudante do ensino básico, frequentei, ao todo, três escolas públicas, dentre as quais havia uma cujo lema era “Gastão, entra burro e sai ladrão”. Hoje, eu estou aqui para reafirmar que não saí burro, nem ladrão e muito menos covarde.

À moda barretiana, estimulo um desprezo cada vez maior pelo status dos “doutores” das repúblicas brasileiras, sejam eles médicos, advogados, engenheiros ou historiadores-antropólogos que praticam o que Sidney Chalhoub chamou de ideologia da ponta do nariz, implementada pelos senhores do século XIX. E, por isso, enfrento-lhe não como um marco pessoal, ainda que este esteja inexoravelmente presente, mas por um significado amplo, que atinge também o Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Eu não baterei cabeça para nenhum professor deste departamento que tome atitude igual a sua, seja ele dinossauro, elefante, chefe, coordenador ou qualquer outra classificação usual.

Finalizadas minhas primeiras considerações, apresentarei os porquês da posição de repúdio ao que houve nesta sala na última quinta-feira. E, para isso, voltarei às fontes, exercício característico da nossa formação. Refiro-me, sobretudo, a uma gravação completa do áudio da aula passada, bem como as minhas presenças. Aliás, isto que farei é consuma sua própria profecia, Marcos. Num determinado momento da aula, você disse que as gravações dos nossos encontros poderiam servir para historiadores do futuro. Bem, eu sou um deles. Então, eu encaixo o meu texto na famosa modalidade de História do Tempo Presente.

Vamos ao que interessa! O ambiente da última aula estava, desde o começo, hostil. Principalmente, por você claramente ter se preparado para entrar em confronto direto com a turma. Esta, por sua vez, comparecia empolgada depois dos belos depoimentos e debates da última aula. Com agressividade bem acima da média, você tentou trancar a porta da sala e, não conseguindo, proibiu a entrada dos alunos que ainda estavam chegando.

Após tal arbitrariedade, enfim, logrou em ler seus textos provocativos, sendo que num deles, atacou “as patrulheiras do politicamente correto”, revelando assim o motivo de tanta fúria. Quem sabe por uma tendência à hipérbole da literatura, descreveu a postagem no Facebook como uma APUNHALADA PELAS COSTAS, a qual foi desferida NA CALADA DA NOITE. No meu tempo, de manhã era dia e apunhalada pelas costas pressupunha uma tentativa de disfarçar o golpe para que outro não saiba. Mas a discussão deu-se de forma pública e com marcação direta de sua conta.

Com a hipérbole e ego afiados, continuou sua arenga. Ilusoriamente, descreveu-se como inimigo-mor e injustiçado frente aos carrascos infindáveis. Respaldado pela historiografia, sinto lhe informar que os heróis são construções sociais que possuem a importância e ação limitadas pelos condicionamentos do contexto, como qualquer outro ator social. Na verdade, é a memória, a qual é afetiva e seletiva, que os colocam em posições acima daquelas que realmente ocupam.

A luta por universidade melhor é absolutamente maior que você, mesmo se levarmos em conta somente a UFF. O movimento estudantil é uma característica das universidades públicas e, como deve saber, goza de tamanha importância que foi e é objeto de estudos por parte dos campos das humanidades. Para citar um dos últimos grandes exemplos nesta universidade, em dois mil e onze, os estudantes da UFF ocuparam a reitoria, exigindo e questionando a cadeia de comando universitária.

A luta dessas meninas contra a ditadura do cabelo liso não é traduzida na frase “não tem que mudar a porra do cabelinho só”. Todo cientista social deveria saber da importância do cabelo na identidade da mulher. Tal como os depoimentos, carregados de sentimentos, mostraram nesta mesma sala. Portanto, apenas aqueles que foram não só teoricamente ingênuos, mas igualmente insensíveis, não captaram a mensagem.

Em termos de dimensão, os problemas de uma faculdade é um ponto no mar, enquanto a luta contra o racismo é o próprio mar. É um fato social, isto é, penetra todos os espaços da sociedade, ao contrário do alcance das universidades públicas, as quais ainda não abriram as portas para aqueles que deveriam ocupá-la. Minhas possíveis dores em trinta anos de trabalho, ganhando um salário muito acima da média dos brasileiros, talvez seja menor do que o sofrimento de uma mulher ao ver seu cabelo cair depois da utilização de tanta química.

As denominações “pele morta” e/ou cabelo politicamente correto, não refletem a complexidade do que está em jogo. Por exemplo, segundo um professor defunto, baseado em Geertz, os cabelos dreadlocks são símbolos que podem ser lidos. Eles nos passam uma mensagem de afirmação e intimidação, exaltando a identidade negra. Será que o professor defunto denominaria isto de politicamente correto?

Bem, eu duvido muito, pois essa postura das meninas, bem como a preocupação com a grafia das palavras – como, por exemplo, alunxs -, corrobora para comprovar a importância da cultura – a qual é tão relevante ou real quanto às faces econômicas e materiais da sociedade; e tão espaço de luta quanto às arenas reconhecidas. Tais ações são - pelo que eu entendi do trecho sobre Chartier - apropriações dotadas de estratégias discursivas, que por sua vez engendram uma representação, no sentido de “exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou alguém”. Assim, como o que houve nesta sala, a luta e o conflito nascem, posto que a leitura dos símbolos não é unívoca, revelando as relações de poder e a importância de saber a posição de quem discursa.

Repudio, de igual modo, a incompreensão da tessitura social desta geração. Nós não deixamos de sermos seres humanos porque utilizamos uma ferramenta tecnológica para promover debates e discussões. As arenas de conflitos, sejam elas “virtuais” ou “reais” – deixando claro que não concordo com essa oposição -, são permeadas de ataques passionais, os quais não acrescentam ao debate, mas podem igualmente serem constituídas de valor intelectual. Como historiadores, dificilmente, engolimos a existência do inerente. Acreditamos mais nas possibilidades. Talvez, cremos mais na inerência das possibilidades. Nesse sentido, a internet poderá servir para fins cruéis, como a invasão de privacidade, a calúnia e a difamação, mas também para fins democráticos: as denúncias de interesse público e, tendo como consequência, a mobilização das pessoas, o que provoca, no fim, a democratização da informação.

Tendo isso em vista, defendo o direito dos alunos levantarem debates em sala de aula ou em fóruns nas redes sociais, principalmente se as questões suscitadas originaram-se de um espaço público, seja ele o da universidade ou não. Quatro horas na semana não contemplam todos os argumentos, visões e perspectivas. Em contraponto, é claro, tais ampliações das possibilidades precisam vir carregadas de códigos que garantam o direito à resposta, o respeito e o conhecimento dos envolvidos, tal qual ocorreu no nosso caso.

Encaminhava-me para a conclusão, mas lembrei-me de outro problema que vale ser levantado. Há trinta anos, qual era o perfil dos alunos que ocupavam esta universidade? Hoje, quem são eles? Não tenho os números, mas arrisco dizer que existe um contingente atualmente para o qual não era possível cogitar a entrada numa universidade pública. E o meu coloco entre eles. Entre a minha família, eu sou o único, em várias gerações, que conseguiu entrar numa universidade pública. Eu não sou da Zona Sul e nem de Icaraí. Será que a esse contingente pode ser exigida a postura de recusa de bolsas que universidade oferece? Não é questão de culhão, é questão de sobrevivência, como aquele sujeito que não aceitou usar camisinha mesmo sabendo que poderia contrair o vírus do HIV. Mas, mesmo aqueles que possuem base para negar qualquer bolsa da faculdade ou das agências de fomento, eu desafio - inspirado em Jesus Cristo, pois “o cristianismo é foda”: Atire a primeira pedra quem fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. sem qualquer tipo de bolsa.

Precisamos estar conscientes das posições em que cada pessoa se encontra, a fim de que não ousemos cobrar desafios impraticáveis. Principalmente quando já não tivermos mais nada a perder, enquanto o outro ainda não chegou nem ao nível de perder algo, uma vez que, há pouco, iniciou sua caminhada.

Para finalizar, farei o exercício da reconsideração junto com o da manutenção. Primeiramente, retiro a frase em que lhe chamei de frustrado. Fiz isso num momento no qual tentei encontrar agressões que o atingissem. Quem sabe, você até seja um frustrado, mas um frustrado igual aos grandes homens que sacrificaram uma carreira para incomodar aqueles que batem cabeça para o sistema universitário. Todos nós de certa forma nos curvamos por conta dos condicionamentos, no entanto, isso não quer dizer que não lutamos contra. Por outro lado, baseado em tudo que escrevi, faço uma manutenção ou reafirmação contrária a sua postura na última aula, louvando, ao mesmo tempo, o pedido de desculpas à turma – o qual eu vi agora nas redes sociais, depois de ter produzido mais de três quartos deste texto.



De: Ian Barbosa de Sarges
Para: Marcos Alvito

Resumo da Aula 5: "Marcel Mauss de cabelos cacheados" (19/08)

- Fazendo uma conexão à fagulha da Alana Ribeiro, começamos a aula discutindo sobre o preconceito. Como entender essa classificação ou hierarquização de características físicas? Trata-se de um processo histórico, socialmente construído ao longo do tempo. O corpo é, assim, também um objeto histórico. Lembramos que foi Marcel Mauss o primeiro a estudar o corpo em seu aspecto sociológico (Sugestão de leitura 03). O racismo revela-se como uma estúpida generalização de experiências históricas, interiorizando-se em alguns com espantosa "naturalidade". O que nos interessa observar é a opressão presente nas mais diversas relações de poder. Relações essas que implicam dominação. O corpo pode ser assim um veículo de afirmação ou contestação dessas relações. Explica-se...

- Utilizando-nos de um exemplo histórico, citamos o caso espartano. Os guerreiros de Esparta tinham o costume de pentear seus cabelos antes das batalhas. O que parece exótico é na verdade facilmente explicável. O cabelo, arrumado à moda "espartana", era um dos símbolos de identidade daquele grupo. Quando o inimigo avistava um soldado se aproximando com os cabelos arrumados daquela forma, sabia que teria problemas. Até porque essa tradição "capilar" era essencialmente aristocrática. E como bem sabemos, guerrear era uma arte ou ofício dos nobres. Aqui, observamos um claro exemplo de cristalização de uma relação de poder, através de um símbolo. Cabelos, roupa, corpo, barba... Todos exemplos de marcas de um processo histórico-social. Símbolos de identidade. Outro exemplo do uso do corpo para o estabelecimento de uma relação de poder? O exército. Posições de sentido, marcha... O corpo é utilizado para evidenciar pertencimento ao grupo, além de submissão às suas regras.

- Exemplo tão triste quanto poderoso se deu em Acari. Um professor percebeu que duas meninas, alunas suas, atrasavam-se todos os dias, atrapalhando sua aula. Decidiu-se rápido: passou um belo sermão na frente da turma inteira. Ele deveria ser respeitado, afinal... Mas os atrasos continuaram. Irritado e intrigado, o docente resolveu pesquisar. A aula anterior era de Educação Física, mas ele pôde observar que a mesma se encerrava em horário normal. Qual seria então a razão do atraso? As meninas, histórico e sociologicamente negras, não tomavam banho junto com as colegas. Esperavam todas terminarem, para enfim começar sua higiene. O motivo, triste, foi logo descoberto. As duas sofriam perseguições das outras, que zombavam do fato delas terem pêlos pubianos crespos, opostos a seus cabelos alisados. Para não sofrer mais, preferiam aguardar e se banhar depois. O corpo é veículo do processo histórico. Carrega assim, em si, diversas relações de poder. É, em suma, um objeto de poder. Importante refletir sobre as imposições sociais ao corpo feminino, por exemplo. O alto número de salões de beleza no subúrbio não traria consigo uma proposta de "embranquecimento"? O debate aqui é muito válido, e a aula inspirada na "ditadura do cabelo liso" assim o comprovou.


Sugestão de leitura 03
MAUSS, Marcel. "As técnicas do corpo". In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Resumo da Aula 4: "Apresentando Marcel Mauss" (14/08)

- Demos início à Unidade I de nosso programa debatendo um pouco sobre a vida de Marcel Mauss, contextualizando sua obra. A relação entre vida e obra se demonstra óbvia já no título desta: Ensaio sobre a dádiva. "Ensaio" significa "esboço", algo ainda inacabado, que não tem pretensão de ser ponto final. Como relacionar isso à biografia do autor francês? Sobrinho de Émile Durkheim, Mauss sempre foi bastante diferente de seu tio. Importante lembrar o papel de Durkheim na luta por "espaços" para a Sociologia, na legitimação da mesma enquanto Ciência. Para tal, ele nunca hesitou em bater de frente com as Ciências já consolidadas e reconhecidas. Afronta a Psicologia, por exemplo, ao escrever sobre o suicídio (Sugestão de leitura 02). Demonstra que o fenômeno também possui causas sociológicas, como questões políticas ou mesmo climáticas. Durkheim era, em suma, reconhecido por essa seriedade severa, disciplinada. Mauss era o oposto. Gostava de experimentar, observar, sair. Teve que ser trancado pelo próprio tio em um cômodo, para que assim enfim terminasse de escrever sua tese. Esse é o Marcel Mauss do Ensaio, deixando claro no título do trabalho suas percepções de vida. É "ensaio" pois não se pretende ser a autoridade maior e final do assunto. Compreende a complexidade das relações humanas, e as variadas possibilidades de observação das mesmas.

- Mas e quanto à "dádiva", o que seria? Sinônimo de "presente"? Na verdade, é bem mais. Estudando sociedades consideradas "primitivas", atrasadas, o autor oferece importante teoria. Observa que as relações sociais daqueles grupos são regidos por uma lógica de troca. Não se trata do presente, ou objeto material a ser trocado. A base desse verdadeiro sistema de estabelecimento de vínculos reside no significado da ação, na intenção. Não se trocam apenas objetos, ou alimentos. O que se troca é respeito, amizade, amor, carinho... Assim como no Dia dos Namorados observamos a obrigação ritual da troca de presentes. Não se trata do custo financeiro arraigado ao gesto, e sim dos significados atrelados ao mesmo. Um papel de bombom pode ter um valor absurdo, se representa a valorização de um momento, de uma memória. Observamos aqui também um pouco do objetivo político de Mauss ao escrever o Ensaio. Ele quer demonstrar a importância das relações firmadas na generosidade. Acima da valorização da mercadoria, da transformação do ser humano em cifra. A solução dos problemas sociais não adviria dos vícios do fetiche do capital. Mas também não seria com o fim absoluto do mercado e das relações de troca, com a submissão do povo a um governo qualquer. Nesse aspecto, as ditas sociedades primitivas eram bastante superiores ao mundo civilizado.

- Estudando as relações de troca, Mauss evidencia assim que a maior mentira que existe no mundo é a ideia de "indivíduo". O indivíduo só existe graças a uma criação coletiva, interdependente. Como se comunicaria de forma eficiente sem os auspícios da linguagem, por exemplo? Relembramos um pouco de Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês. Assim como Mauss, o autor demonstra a importância de outras relações que não as materiais com seu "tabu do incesto". Basicamente, a sociedade só existiria graças à esse tabu, que motivou a comunicação entre grupos distintos. Para não procriar com suas parentes, os homens trocavam suas mulheres com os de outro grupo, aprendendo e trocando experiências no processo. Assim a sociedade teria nascido e progredido. Mauss compreende também que a base do estabelecimento de uma sociedade reside nas relações recíprocas entre seus membros. A lógica da troca nada mais é do que a rocha das sociedades humanas. De tal forma que o autor procura demonstrar que nenhum ser humano consegue viver sem isso. Para aqueles que pretendem fazê-lo, com todo o respeito, que vivam entre objetos na tonga da mironga do kabuletê.


Sugestão de leitura 02
DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo de Sociologia. São Paulo, Editora WMF, 2011.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia
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Matheus Viug - Cook Multimídia

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Resumo da Aula 3: "Para uma utilização crítica da antropologia pelos historiadores" (12/08)

Fagulha 02 - "Minha alma usa sapatilhas", por Caroline Sant'Anna
- Minha história com o ballet começou há muito tempo, exatamente há 14 anos. Foi quando eu fui assistir a uma apresentação da minha prima e ouvi pela primeira vez a variação do cisne negro do lago dos cisnes. Naquele momento eu sabia que precisava fazer ballet, pois o ritmo já havia me conquistado. Entrei pra escola de ballet em 2002, aos nove anos, na escola municipal de dança Elba Nogueira, em Rio das Ostras e dois anos depois eu já estava fazendo aula com meninas mais avançadas que eu, na sapatilha de ponta. Eu comecei a me destacar muito no ballet, talvez pelo meu físico, já que sempre fui muito magra, sempre tive facilidade nos exercícios e sempre me dediquei muito. Me apresentava no Teatro Municipal de Rio das Ostras, em festivais pela região dos lagos e dançava nos autos de natal da cidade. Tudo ia muito bem quando eu soube, no ano de 2005, que minha mãe estava com câncer de pulmão. Eu, que morava com minha avó, voltei a morar com meus pais para dar um incentivo maior ao tratamento da minha mãe. E assim foi. Em 2006, eu já havia voltado a morar com ela e já tinha entrado numa escola de dança profissionalizante no Rio. E esse foi o auge da minha vida como bailarina. Dançava todos os dias, às vezes ficava o dia inteiro ensaiando, ensaiando. Comecei a ensaiar algumas variações que seriam apresentadas nos festivais que iria competir. Foi um ano de muitas apresentações, vitórias nas competições, ensaios e mais ensaios. Tudo ia bem até que em setembro o pior aconteceu. O câncer levou minha mãe para sempre. Logo ela que sempre me apoiou, logo ela que amava me ver dançando... Por mais que a dor pesasse, eu não parei. Não parei por que quando eu dançava, era como se estivesse dançando pra ela. E isso me fazia querer dançar...

- Em 2007, meu pai se casou novamente e ele que sempre achou que ballet devia ser apenas um "hobby", não ficou contente quando soube que eu queria ser bailarina profissional. Que era o que eu amava fazer. Sendo assim, nesse mesmo ano eu fui tirada do ballet e só poderia voltar depois que eu não morasse mais lá. Sete anos se passaram, eu estudei, passei no vestibular, entrei pra faculdade e estava feliz. Tinha tudo, mas ainda assim me sentia vazia. Faltava algo e eu sabia que era o ballet. Depois de sete anos parada, eu, que já não morava mais com meu pai, voltei pro ballet. Voltei e tive que reaprender cada passo, cada tempo musical, cada gesto. Voltei pra uma turma de meninas de 10, 11, 12 anos. E eu, com 20. Mas isso não me desanimou. Continuei, dei tudo de mim e com apenas 2 meses, fui chamada pra entrar para o grupo de dança da escola. Ensaios e mais ensaios novamente. Voltei aos palcos dos festivais, voltei a ouvir o nome da escola nas premiações, voltei ao que sempre me pertenceu. A maior provação mesmo veio ao final do ano, quando a escola ia apresentar a versão completa do ballet Dom Quixote. Fiquei animada e estava tranquila pois ia dançar algo fácil, que eu sabia que dava conta. Porém, um dia quando cheguei pro ensaio, a diretora da escola me disse que eu ia dançar em todos os atos, ou seja, não ia sair do palco e mais, ia dançar as coreografias mais difíceis. Aquilo foi demais para mim, entrei em pânico pois não me achava capaz de fazer isso. Disse que queria desistir, que tinha ficado muito tempo parada e que não daria conta e foi nesse dia que ela virou pra mim e disse: "Carol, se eu estou te colocando é por que eu sei do que você é capaz. Eu confio em você. Não foi você quem escolheu o ballet, foi ele quem te escolheu. A sua alma usa sapatilhas". Depois disso eu resolvi aceitar o desafio e comecei a ensaiar. Foram muitas frustrações, cansei de voltar pra casa chorando pois não estava pegando os passos. Muitos erros, tombos e dores. Mas eu consegui, aos poucos eu fui achando meu lugar e fui confiando mais em mim. E finalmente aqueles dois dias de apresentação foram gloriosos. Não fui eu quem dançou ali, foi minha alma, meu coração. E não existe lugar que eu ame mais na vida que o palco. E eu posso sair de novo do ballet que eu sei que vou voltar. Nem que seja com 30, 40, 50 anos, eu vou voltar. Por que quem é escolhido pelo ballet, não se vê livre dele jamais.

Aula
- Estabelecendo uma relação com o tema da fagulha, o professor Alvito começou a aula propondo uma crítica à universidade. Citando o livro O Ano Mil, de Georges Duby, comparou nosso modelo de sala de aula a uma prisão. Ao contrário dos antigos gregos, que lecionavam nos jardins, explorando a natureza, a nossa sala segue o padrão medieval. Padrão esse de aprisionamento dos corpos, dos movimentos. Não se expressa, não se pode dançar, por exemplo. O que nos leva diretamente a E. P. Thompson, autor do texto-base utilizado na aula e exemplo de alguém que era "contestador por excelência". Trazendo informações de um artigo seu (Sugestão de leitura 01), o professor traçou uma breve biografia do autor inglês, antes de explorar melhor seu texto. Nascido em Oxford, mas formado em Cambridge, Thompson recebe "de berço" as influências de sua natureza desafiadora. Seu pai, embora pastor, chegou a afirmar que a religião era "a maior peste do mundo". E assim cresceu, filiando-se ao Partido Comunista com apenas 18 anos e interrompendo seus estudos para se alistar e lutar na 2ª Guerra Mundial. É durante a Guerra, inclusive, que conhece sua futura esposa, Dorothy. Quando retorna, se torna professor de um curso noturno "extra-muros", da Universidade de Leeds. Dando aulas para adultos, em sua maioria trabalhadores, deixa claro seu objetivo: "formar revolucionários".

- E era nestas turmas que Thompson fazia uma verdadeira pesquisa antropológica com seus alunos. Sempre interessado em ouvir as experiências da classe que defendia, o professor aproveitava esses momentos para testar suas hipóteses. Escreve, através desse método peculiar, seu livro mais famoso: A Formação da Classe Operária na Inglaterra. Resumindo a obra em poucas palavras, o autor discorda da existência de uma "consciência de classe", que seria formada apenas na luta, na experiência. Bate de frente assim com a grande maioria dos teóricos marxistas, sendo criticado por alguns como deturpador das ideias de Marx. Ganha diversos seguidores dentro do próprio movimento, no entanto, tornando-se uma espécie de celebridade. Convidado a trabalhar na Universidade de Warwick, cria um centro de pesquisa voltado à História Social. Demite-se, no entanto, apenas 6 anos depois, criticando a mercantilização do saber.

- É a partir dessa contextualização que iniciamos o debate sobre o Texto 03, oriundo de uma palestra ministrada por Thompson na Índia, em 1977. Qual seria o objetivo do texto em questão? Estabelecer a relação útil e possível entre História e Antropologia. Para tal, o autor inicia sua conferência já conquistando o público, revelando-se um "impostor". Demonstra assim uma relação de contato direto com o ouvinte / leitor, convidando à participação, à reflexão. Desta forma, convida-nos a utilizar, junto com ele, a Antropologia para entender aspectos da cultura popular e ritual da Inglaterra no séc. XVIII. Trata-se, simplesmente, de um exercício de compreensão do diferente, histórico e antropológico. Importante o exemplo dado pelo mesmo da questão da venda de esposas. Somente um olhar antropológico seria capaz de superar a barreira epistemológica trazida pela fonte: quem escreveu sobre o costume, não fazia parte da cultura popular. Aí entra a Antropologia, com a comparação com outras sociedades, outros costumes. Sempre em busca da compreensão do diferente, da difícil transformação do exótico em familiar. É preciso, no entanto, entender que esse uso tem limites. Cada processo histórico tem suas especificidades. A escolha da teoria a ser utilizada não pode ser então aleatória: faz-se necessário estudar a questão. Citando o professor Alvito, "a teoria é a coisa mais prática que existe". É prática, pois nasce sempre a partir de um estudo empírico.


Referências Bibliográficas
(Texto 03) THOMPSON, E.P. "Folclore, antropologia e história social". In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, Editora da Unicamp, 2001. pp. 227-267.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia
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Mateus Gusmão - Cook Multimídia

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Resumo da Aula 2: "História e Antropologia, reflexões iniciais" (07/08)


Fagulha 01 - "O bom filho à casa torna", por Mateus Gusmão
- Quando recebi o desafio de preparar a primeira fagulha, não tive dúvidas sobre o que falaria. Deveria comentar sobre o meu primeiro momento em sala de aula, em um colégio que fez toda a diferença para a minha formação humana e acadêmica. O tempo que havia para o preparo e a importância que esse momento possui me levaram a tal escolha. Apesar de saber que seria extremamente gratificante, estar totalmente empolgado e obter uma excelente ajuda dos meus amigos, tive que explicar aos meus colegas os contratempos encontrados no preparo e na execução da aula. Primeiramente resumir todo o contexto europeu dos séculos XVI, XVII e XVIII em apenas 3 aulas. Para tal, utilizei obras de autores como David Landes, E. Thompson e F. Engels. Outro desafio seria falar de História para alunos que esperavam ansiosamente uma brilhante aula de princípios físicos para o funcionamento de um motor concebido na Europa Moderna.

- No entanto, apesar das dificuldades, aprendi demais com a experiência. Penso que a vocação ou dom para ser professor, está diretamente ligada à relação que se estabelece com os alunos. E é a reação deles que legitima. No meu caso particular, a maior recompensa do trabalho foi a reação positiva dos alunos à minha aula. Quanto à pergunta feita pelo professor Alvito, sobre qual conselho eu daria para quem deseja saber como começar a dar aulas, seria direto. Faça de conta que a sua oportunidade pode chegar amanhã. Caso ela chegue, você já estará preparado, e com certeza fará um bom trabalho.






Aula
- Começamos a aula trabalhando com a primeira tese de doutorado em Antropologia do professor Marcos Alvito (Texto 01 das leituras recomendadas). Não finalizado graças ao interesse do mesmo em estudar a favela de Acari (a segunda tese, que foi concluída), o trabalho se trata de um estudo sobre o controle do corpo feminino e sua apropriação social na Grécia Antiga. Comparando os casos de Atenas e Esparta, o autor demonstra a importância do corpo feminino por ser possuidor da capacidade biológica de reprodução da espécie. De um lado Atenas, onde a mulher permanecia costumeiramente trancada no gineceu. Suas saídas, sempre esporádicas, eram reservadas para grandes ocasiões, como festas importantes ou funerais. Somente as muito pobres saíam às ruas com frequência, sendo vistas socialmente sempre como prostitutas em potencial. Um exemplo desse costume ateniense se encontra em "Sobre a morte de Eratóstenes", história de adultério feminino em que o nome da mulher nem mencionado é, evidenciando seu papel social exigido de submissão e passividade. Do outro lado Esparta, conhecida pela sua cultura de guerra, onde as mulheres eram valorizadas tão simplesmente por sua capacidade reprodutiva. Segundo Aristóteles, entre os espartanos não havia ciúmes, pois a mulher servia a um propósito claro: dar filhos aos "parceiros" sexuais, sejam lá quais forem.

- Mergulhando então no primeiro capítulo - "A Fronteira" -, foi proposto à turma um exercício de escolha de palavras-chave, na busca de um entendimento mais completo da leitura. Quem escolhe palavras-chave elege, por assim dizer, os assuntos que considera mais importantes no texto. As palavras escolhidas foram: "fronteira"; "identidade"; "relações"; "explosão (dupla)"; "unilaterais"; "enfoque comparativo"; e "interdisciplinaridade". Compreendemos que a tal da fronteira entre disciplinas, aqui sendo a História e a Antropologia, é basicamente corporativa. Elas se interpenetram, comunicam-se o tempo inteiro. O próprio termo remete a uma ideia histórica de troca, intercâmbio. Embora essa separação absurda ainda persista no campo burocrático, não faltam exemplos de autores que conseguiram enxergam além das tais fronteiras, promovendo um verdadeiro diálogo interdisciplinar. Para citar apenas um, trazemos Marcel Mauss, que será estudado com mais clareza no decorrer de nossa primeira unidade.


- Conexão perfeita se faz, a partir dessa ideia, com a leitura de Paul Veyne (Texto 02). O autor afirma, resumidamente, que a História por si só não tem nenhuma teoria. Há na disciplina uma falta de "constantes". Por isso, ela necessita de contato frequente com outros campos de conhecimento das Ciências Humanas, tornando-se assim mais completa. Para falar de religião, por exemplo, não basta enumerar fatos e datas e assim supor que se tem uma análise do processo em mãos. É preciso entender a problemática de dentro, fazer observações, e assim desenvolver uma teoria acerca daquilo. Faz-se necessário entender o sentido das coisas. A Antropologia busca esse entendimento, de tal forma que a História não poderia andar sozinha sem a utilização de seus saberes teóricos. Tal qual a Astronomia, sem os valorosos estudos da Física.

Referências Bibliográficas
(Texto 01) ALVITO, Marcos. "Rumo à dupla explosão? Os historiadores e suas sete tribos antropológicas". 1995.
(Texto 02) VEYNE, Paul. O inventário das diferenças: História e Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1983.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia
Fotos: Barbara Celi - Cook Multimídia

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Resumo da Aula 1: "Apresentação do programa, do professor e dos alunos" (05/08)



- O curso de História e Antropologia teve seu início de forma incomum, com a proposta de um enigma: analisar a canção Can't Buy Me Love, dos Beatles. Sua letra evidencia uma clara crítica à sociedade de consumo, com uma valorização do romantismo, do amor que não poderia ser comprado. A banda se torna assim figura central de um aparente paradoxo, pois vende uma quantidade absurda de discos e produtos enquanto projeta, não só nas letras de seus primeiros sucessos mas também em sua imagem, um ideal de romantismo quase que cavalheiresco. O que devemos retirar de toda essa análise, no entanto? A compreensão de um período histórico em que a lógica capitalista começa a ser criticada, quando muitos artistas (músicos, principalmente) produzem um notável volume de criações dispostas a demonstrar que essa lógica do mercado não basta. O mundo não é regido pela lógica da mercadoria, apenas, e há aqui em nossa música estudada a introdução de uma outra lógica, a do presente. Importante notar que seu valor não é mensurado no aspecto financeiro, material, e sim em seu aspecto sentimental. Nas palavras do próprio professor Marcos Alvito, o mundo não existe sem essa lógica subjacente. Um exemplo? O fato de ainda termos filhos, ideia completamente fora de cogitação caso vivêssemos única e exclusivamente sob a lógica da mercadoria, uma vez que os mesmos representariam nada além do que um gasto a mais.


- Essa explicação inicial serviu para introduzir levemente o que ainda debateremos ao estudar Marcel Mauss, e também para demonstrar a importância de uma teoria para entender o mundo. Pedindo a ajuda do colega Felipe, que desenhou um penteado estilo "dreadlock" no quadro negro, o professor demonstrou então a simbologia do mesmo, estabelecendo uma conexão entre o uso do penteado e a luta contra os padrões, a reafirmação da identidade e do passado "negros". Para tal, foi utilizado o exemplo de Bob Marley e o movimento rastafari, tendo a belíssima Redemption Song sendo usada como um marco dessa lembrança e reafirmação identitária. O "dreadlock" (que já carrega o preconceito em seu nome, pois dread = terrível, horroroso) é tão símbolo quanto uma cruz, por exemplo, que traz em si, independente do quão mal desenhada seja, toda a carga de significados relacionados a sua ligação com o Cristianismo, o que representa dentro da religião. Tivemos desta forma a introdução de uma visão semiótica da cultura, com a interpretação e compreensão de alguns símbolos sociais, que estudaremos melhor em Geertz, durante o curso.



- Concluimos a aula então com a apresentação do funcionamento do curso, que será dividido em três unidades, além das questões preliminares acerca das relações entre História e Antropologia que lhe servirão de Introdução. A primeira unidade será dedicada ao estudo de "Um Ensaio sobre a Dádiva (Dom)", de Marcel Mauss, com um esforço na compreensão da aplicação da teoria, depois de seu entendimento. O trabalho desta unidade, que permanece uma surpresa, será obrigatório a todos os alunos, e tem como prazo de entrega o dia 4 de setembro. A segunda unidade será marcada pelo estudo de Clifford Geertz, com destaque ao conceito semiótico de cultura e às divergências interpretativas de Robert Darnton e Roger Chartier sobre o tema. Fechando o curso, a terceira unidade com a análise de Marshall Sahlins, e a possível fusão de História e Antropologia. Os trabalhos da unidades 2 e 3 não são obrigatórios, tendo o aluno a oportunidade de escolher qual dos dois irá fazer (óbvio que necessita escolher um dos dois). As datas de entrega são, respectivamente, os dias 2 de outubro e 6 de novembro.

- Convidamos os amigos a curtir nossa fan page no Facebook para não perder nenhuma atualização das atividades do grupo. Fiquem atentos pois em breve publicaremos também trabalhos de vídeo e áudio, sempre com os conteúdos do curso. Voltem sempre e até a próxima!



Douglas Coutinho - Cook Multimídia

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Apresentação do Blog

Amig@s, sejam bem-vind@s!!!


Esse espaço foi criado pelo grupo Cook Multimídia para postarmos resumos acerca das aulas do curso "História e Antropologia", ministrado pelo professor Marcos Alvito no segundo semestre de 2014. Os resumos têm como objetivo auxiliar todos os alunos do curso, condensando em postagens regulares os conteúdos apresentados e discutidos em sala de aula, sendo de extrema utilidade para todos aqueles que necessitarem faltar a alguma delas, por exemplo, sem perder tanto quanto provavelmente perderiam sem esse recurso. Procuraremos também trazer indicações de leitura sobre o tema sempre que for possível.

A não ser em casos excepcionais, devidamente avisados, as postagens serão publicadas em um prazo máximo de sete dias a partir da data da aula. Ressaltamos que faremos um esforço para encurtar esse prazo, especialmente quando as datas de entrega dos trabalhos se aproximarem. Desta forma, todos terão à disposição o conteúdo básico necessário para confeccioná-los com mais eficiência e segurança. O primeiro resumo, sobre a aula 1 (do dia 05/08), deverá ir ao ar nesta próxima segunda (11/08), no período da tarde.

Enquanto os resumos não são postados, convidamos todos a curtir a nossa fan page no Facebook, e caso queiram fazer alguma crítica, sugestão, ou mesmo tirar uma dúvida, sugerimos que usem o espaço dos comentários ou nos enviem um e-mail: cookmultimidia@gmail.com.

Abraços e até a próxima!

Douglas Coutinho - Cook Multimídia