terça-feira, 19 de agosto de 2014

Resumo da Aula 3: "Para uma utilização crítica da antropologia pelos historiadores" (12/08)

Fagulha 02 - "Minha alma usa sapatilhas", por Caroline Sant'Anna
- Minha história com o ballet começou há muito tempo, exatamente há 14 anos. Foi quando eu fui assistir a uma apresentação da minha prima e ouvi pela primeira vez a variação do cisne negro do lago dos cisnes. Naquele momento eu sabia que precisava fazer ballet, pois o ritmo já havia me conquistado. Entrei pra escola de ballet em 2002, aos nove anos, na escola municipal de dança Elba Nogueira, em Rio das Ostras e dois anos depois eu já estava fazendo aula com meninas mais avançadas que eu, na sapatilha de ponta. Eu comecei a me destacar muito no ballet, talvez pelo meu físico, já que sempre fui muito magra, sempre tive facilidade nos exercícios e sempre me dediquei muito. Me apresentava no Teatro Municipal de Rio das Ostras, em festivais pela região dos lagos e dançava nos autos de natal da cidade. Tudo ia muito bem quando eu soube, no ano de 2005, que minha mãe estava com câncer de pulmão. Eu, que morava com minha avó, voltei a morar com meus pais para dar um incentivo maior ao tratamento da minha mãe. E assim foi. Em 2006, eu já havia voltado a morar com ela e já tinha entrado numa escola de dança profissionalizante no Rio. E esse foi o auge da minha vida como bailarina. Dançava todos os dias, às vezes ficava o dia inteiro ensaiando, ensaiando. Comecei a ensaiar algumas variações que seriam apresentadas nos festivais que iria competir. Foi um ano de muitas apresentações, vitórias nas competições, ensaios e mais ensaios. Tudo ia bem até que em setembro o pior aconteceu. O câncer levou minha mãe para sempre. Logo ela que sempre me apoiou, logo ela que amava me ver dançando... Por mais que a dor pesasse, eu não parei. Não parei por que quando eu dançava, era como se estivesse dançando pra ela. E isso me fazia querer dançar...

- Em 2007, meu pai se casou novamente e ele que sempre achou que ballet devia ser apenas um "hobby", não ficou contente quando soube que eu queria ser bailarina profissional. Que era o que eu amava fazer. Sendo assim, nesse mesmo ano eu fui tirada do ballet e só poderia voltar depois que eu não morasse mais lá. Sete anos se passaram, eu estudei, passei no vestibular, entrei pra faculdade e estava feliz. Tinha tudo, mas ainda assim me sentia vazia. Faltava algo e eu sabia que era o ballet. Depois de sete anos parada, eu, que já não morava mais com meu pai, voltei pro ballet. Voltei e tive que reaprender cada passo, cada tempo musical, cada gesto. Voltei pra uma turma de meninas de 10, 11, 12 anos. E eu, com 20. Mas isso não me desanimou. Continuei, dei tudo de mim e com apenas 2 meses, fui chamada pra entrar para o grupo de dança da escola. Ensaios e mais ensaios novamente. Voltei aos palcos dos festivais, voltei a ouvir o nome da escola nas premiações, voltei ao que sempre me pertenceu. A maior provação mesmo veio ao final do ano, quando a escola ia apresentar a versão completa do ballet Dom Quixote. Fiquei animada e estava tranquila pois ia dançar algo fácil, que eu sabia que dava conta. Porém, um dia quando cheguei pro ensaio, a diretora da escola me disse que eu ia dançar em todos os atos, ou seja, não ia sair do palco e mais, ia dançar as coreografias mais difíceis. Aquilo foi demais para mim, entrei em pânico pois não me achava capaz de fazer isso. Disse que queria desistir, que tinha ficado muito tempo parada e que não daria conta e foi nesse dia que ela virou pra mim e disse: "Carol, se eu estou te colocando é por que eu sei do que você é capaz. Eu confio em você. Não foi você quem escolheu o ballet, foi ele quem te escolheu. A sua alma usa sapatilhas". Depois disso eu resolvi aceitar o desafio e comecei a ensaiar. Foram muitas frustrações, cansei de voltar pra casa chorando pois não estava pegando os passos. Muitos erros, tombos e dores. Mas eu consegui, aos poucos eu fui achando meu lugar e fui confiando mais em mim. E finalmente aqueles dois dias de apresentação foram gloriosos. Não fui eu quem dançou ali, foi minha alma, meu coração. E não existe lugar que eu ame mais na vida que o palco. E eu posso sair de novo do ballet que eu sei que vou voltar. Nem que seja com 30, 40, 50 anos, eu vou voltar. Por que quem é escolhido pelo ballet, não se vê livre dele jamais.

Aula
- Estabelecendo uma relação com o tema da fagulha, o professor Alvito começou a aula propondo uma crítica à universidade. Citando o livro O Ano Mil, de Georges Duby, comparou nosso modelo de sala de aula a uma prisão. Ao contrário dos antigos gregos, que lecionavam nos jardins, explorando a natureza, a nossa sala segue o padrão medieval. Padrão esse de aprisionamento dos corpos, dos movimentos. Não se expressa, não se pode dançar, por exemplo. O que nos leva diretamente a E. P. Thompson, autor do texto-base utilizado na aula e exemplo de alguém que era "contestador por excelência". Trazendo informações de um artigo seu (Sugestão de leitura 01), o professor traçou uma breve biografia do autor inglês, antes de explorar melhor seu texto. Nascido em Oxford, mas formado em Cambridge, Thompson recebe "de berço" as influências de sua natureza desafiadora. Seu pai, embora pastor, chegou a afirmar que a religião era "a maior peste do mundo". E assim cresceu, filiando-se ao Partido Comunista com apenas 18 anos e interrompendo seus estudos para se alistar e lutar na 2ª Guerra Mundial. É durante a Guerra, inclusive, que conhece sua futura esposa, Dorothy. Quando retorna, se torna professor de um curso noturno "extra-muros", da Universidade de Leeds. Dando aulas para adultos, em sua maioria trabalhadores, deixa claro seu objetivo: "formar revolucionários".

- E era nestas turmas que Thompson fazia uma verdadeira pesquisa antropológica com seus alunos. Sempre interessado em ouvir as experiências da classe que defendia, o professor aproveitava esses momentos para testar suas hipóteses. Escreve, através desse método peculiar, seu livro mais famoso: A Formação da Classe Operária na Inglaterra. Resumindo a obra em poucas palavras, o autor discorda da existência de uma "consciência de classe", que seria formada apenas na luta, na experiência. Bate de frente assim com a grande maioria dos teóricos marxistas, sendo criticado por alguns como deturpador das ideias de Marx. Ganha diversos seguidores dentro do próprio movimento, no entanto, tornando-se uma espécie de celebridade. Convidado a trabalhar na Universidade de Warwick, cria um centro de pesquisa voltado à História Social. Demite-se, no entanto, apenas 6 anos depois, criticando a mercantilização do saber.

- É a partir dessa contextualização que iniciamos o debate sobre o Texto 03, oriundo de uma palestra ministrada por Thompson na Índia, em 1977. Qual seria o objetivo do texto em questão? Estabelecer a relação útil e possível entre História e Antropologia. Para tal, o autor inicia sua conferência já conquistando o público, revelando-se um "impostor". Demonstra assim uma relação de contato direto com o ouvinte / leitor, convidando à participação, à reflexão. Desta forma, convida-nos a utilizar, junto com ele, a Antropologia para entender aspectos da cultura popular e ritual da Inglaterra no séc. XVIII. Trata-se, simplesmente, de um exercício de compreensão do diferente, histórico e antropológico. Importante o exemplo dado pelo mesmo da questão da venda de esposas. Somente um olhar antropológico seria capaz de superar a barreira epistemológica trazida pela fonte: quem escreveu sobre o costume, não fazia parte da cultura popular. Aí entra a Antropologia, com a comparação com outras sociedades, outros costumes. Sempre em busca da compreensão do diferente, da difícil transformação do exótico em familiar. É preciso, no entanto, entender que esse uso tem limites. Cada processo histórico tem suas especificidades. A escolha da teoria a ser utilizada não pode ser então aleatória: faz-se necessário estudar a questão. Citando o professor Alvito, "a teoria é a coisa mais prática que existe". É prática, pois nasce sempre a partir de um estudo empírico.


Referências Bibliográficas
(Texto 03) THOMPSON, E.P. "Folclore, antropologia e história social". In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, Editora da Unicamp, 2001. pp. 227-267.


Douglas Coutinho - Cook Multimídia
Fotos: Barbara Celi - Cook Multimídia
Mateus Gusmão - Cook Multimídia

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